SETENTA E CINCO ANOS DEPOIS

          Será sempre com grande satisfação que me proporei de vez em quando a introduzir nas minhas reflexões um pensamento sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
   
        Tem sido muito mais forte a crença e o entusiasmo pela positiva com que sempre tenho recordado este acontecimento na sua proclamação histórica, que tivera lugar há cerca de setenta e cinco anos, do que o desânimo em função dos resultados negativos, contrariando cada vez mais tal acordo, (O homem continua a esquecer o valor da palavra assinada, sob os desígnios da Honra)
 
      De qualquer modo continuo acreditar no seu valor e significado, não só porque creio que as sociedades um dia compreenderão que somos seres de paz e não de guerra, mas também pela alegria de lembrar o que foi feito por diversos pensadores até chegarmos a este momento, uma vez que a nossa memória deverá recuar para aquém do tempo em que foi feita a proclamação e a assinatura desta Declaração.
 
      Neste sentido, o pensamento que agora pretendo desenvolver nesta reflexão situa-se nos “Fundamentos da Declaração Universal dos Direitos do Homem”, e, para o efeito, socorrer-me-ei de um desses pensadores, de nome Immanuel Kant, ilustre filósofo do século XVIII, tomando algumas das ideias espelhadas na sua obra de 1784, A Paz Perpétua, pois julgo que deverá ser excecionalmente que a ele deveremos atribuir a principal força de ordem de pensamento para a constituição, ainda que precoce, desta Declaração Universal.
 
      Nessa altura, com grande sabedoria, escrevera Kant que o Iluminismo era a saída do Homem da menoridade de que ele próprio era o culpado.
 
     Dizia que a menoridade era a incapacidade de o homem se servir do entendimento sem a orientação de outrem.
 
     E afirmava que ao homem lhe faltava a coragem em servir-se de si mesmo, faltava-lhe o que viera a ser a palavra de ordem do iluminismo: “Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento e proclama que o uso público da própria razão deve ser sempre livre, pois só ele pode levar a cabo a ilustração entre os homens” (uma palavra de ordem que se prestara a interpretações várias e, ao que parece, até hoje ainda insuficientes).
 
     Mas se faltava a coragem ao homem em servir-se de si mesmo, também lhe faltava a coragem para manter a consecução de uma sociedade civil, a cuja solução a natureza forçará o homem, tornando-se necessária a administração do direito em geral.
 
     Como consequência, surgia a necessidade de uma constituição civil perfeitamente justa, mas Kant sabia que a necessidade constrangia o homem, tão afeiçoado que estava à liberdade irrestrita e cada vez mais insensível ao direito natural
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     E sabia também que a maior de todas as necessidades viria das inclinações e desejos individuais que levavam os homens a reciprocamente infringirem todas as regras, fazendo com que deste modo não mais pudessem viver uns ao lado dos outros em liberdade selvagem ou natural.
 
     Por isso, dizia Kant, que só dentro da cerca, que seria essa Constituição Civil, é que essas inclinações ou desejos produziriam o melhor resultado. E com maior assertividade concluía categoricamente “que o homem é um animal que, quando vive entre os seus congéneres, precisa de um senhor. Com efeito, abusa da sua liberdade em relação aos outros semelhantes; pese embora ser um ser dotado de razão e consciência”.
 
     Os séculos XVII, XVIII e XIX foram férteis em pensamentos diversos com vista ao entendimento da lei como fundamento da ordem e poder da justiça. Kant, Rousseau, John Locke e tantos outros foram juízos dessa vontade, mas prevaleceu sempre mais a força do que a Razão, e os conflitos trouxeram a fome e a miséria aos povos, e o atraso e a escravidão das mentalidades foram as fontes para a autoeleição das sociedades economicamente ricas.
 
     E o iluminismo, que apontava para a liberdade do Homem e o progresso do Mundo, mais não foi do que o estalar de um idealismo ingénuo e o reacender do medo da força dos mais fortes e poderosos, até ao culminar da tragédia da Segunda Guerra Mundial, que levou um conjunto de países a aceitar ficar lado a lado, não fosse a ira dos loucos voltar de novo a ter sede de sangue dos inocentes e a desejar tomar conta da Terra.
 
     No século XX, as duas Guerras Mundiais vieram colocar na ordem do dia a necessidade de relembrar o respeito pelos princípios, chamados algumas vezes por “princípios de 1789”, votados nesta altura pela Assembleia Constituinte francesa e servindo de prefácio à Constituição de 1791, mas raras vezes cumpridos.
 
     Entretanto, em 1945, a Carta da Organização das Nações Unidas fazia-lhes referência, tanto no preâmbulo como em seis dos seus artigos, e, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU, reunida em Paris, lançava a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Macedo Teixeira