A Cultura do Sonho

      Sinto-me, hoje, como se fosse um garimpeiro que sai pela manhã, com o sonho de encontrar algumas pedras preciosas e a vontade de as ver brilhar com toda a força da luz. Ainda mal iniciei a caminhada e já o suor me escorre pelo espírito e a ânsia de encontrar algo precioso me varre as ideias e me agita o coração.

      Sou diferente dele só nos motivos da caminhada: o garimpeiro, que habita os meus sonhos, procura a riqueza para a sua vida, eu procuro a riqueza para a minha alma. Ambos somos peregrinos nesta ansiedade louca de percorrermos caminhos com objetivos diferentes, mas alegrias tão semelhantes! – Que a realidade faça o destino de ambos: um para a vontade de sonhar, outro para a vontade de ser sonho.

      Sinto-me um garimpeiro porque sei que o que procuro não é muito fácil de se ver nem de se encontrar. Transpiro de emoção porque sei quanta necessidade há no que procuro e que agora ao anunciar-me, com a vossa permissão, também vos peço para caminharmos juntos.

      Ao que venho e ao que me refiro cabem na mesma preocupação, venho por uma razão e refiro-me a um ser. Simbolicamente posso ser um representante, já que, como diz Emmanuel Kant, tudo na natureza age segundo leis e só o homem age segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade. É nessa qualidade que vos convido a refletirem comigo acerca da razão que evoco e do ser de que somos representantes.

      Quando somos pequeninos vivemos a nossa vida guiada por ordens de várias naturezas e com objetivos culturais distintos. É a unidade do ser humano que está em questão e a sociedade preocupa-se com a sua coesão e com os elementos que a tornam coesa. Nós pouco sabemos disso, para nós, o que é interessante, é o que sentimos no tempero dessas experiências. Ganha-se em cada dia uma certa vontade para voltarmos a experimentar as atividades do jogo ou das brincadeiras que vamos fazendo. Vão progressivamente aumentando os conteúdos das experiências que desejamos e o gosto de as repetir de novo.

      Isto leva­‑me a pensar que, sendo o homem um ser de vontade, não nasce com essa força formada de modo inato e até pode perdê-la durante o tempo em que vive. Ao experimentarmos uma certa lucidez da vida, damos conta de que com facilidade nos desmobilizamos das convicções que são a força impulsionadora para a realização dos atos humanos mais simples ou mais complexos.

     Poder-se-á dizer que não são suficientemente fortes nem apelativas que baste, pois se o forem o Homem não esmorece nem se desencanta com os acontecimentos que as abalam. Mas, não é bem assim, não há convicção que seja suficientemente forte para arrastar o homem para fora do sentido negativo da vida se a sociedade não mobilizar as consciências e as vontades para o seu sentido positivo.                                                                                                                          

     Volto a lembrar o nosso tempo de meninos: na idade das perguntas não nos cansamos de perguntar por tudo o que nos fascina. – O que é o Mundo? – É uma bola enorme – responderão os nossos pais. Ficamos a falar sozinhos… “a minha bola tem a forma do mundo”. Gostava de ver o tamanho do Mundo, interrogamo-nos afirmativamente.

     Se nos apercebermos bem deste diálogo, constatamos que o nosso pensamento vai acrescentando algo de muito maravilhoso aos fatores que entram em jogo nos nossos pensamentos. Se não, vejamos: – O que é o Mundo? – uma pergunta metafísica por um ilimitado real. É uma bola enorme, uma resposta física de volume ilimitado. A minha bola tem a forma do Mundo, uma afirmação de semelhança que me leva a gostar mais da minha bola porque tem semelhança, e eu posso brincar com ambos. Gostava de ver o tamanho do mundo, uma afirmação da vontade por via da força que começa a nascer em nós, um pensamento para sonharmos com o Mundo.

     Servi-me desta abordagem lógica para mostrar a todos vós que o nosso crescimento e desenvolvimento têm seguido uma ordem natural e que a nossa educação tende a acompanhar essa ordem.

Não estão em causa, na minha análise, os fatores sociais mais preponderantes em cada época ou os objetivos políticos dos poderes reinantes. Não vêm a propósito para o que pretendo descobrir com todos vós. É uma questão de raiz e que tem a ver com o ser e com a razão que aqui me traz.

      A ordem natural que seguimos é evolutiva e crescente, cheia de novidades e alterações. É formada por sistemas dinâmicos não redutores e regenerativos quanto baste. Atua na temporalidade, modifica-se na forma, cresce nos elementos; responde com base nas leis e por força da correspondência das mesmas.

    Pode dizer-se que a Ordem Natural cultiva o que necessita, transforma para o que quer e muda conforme o tempo, engendrando nestes movimentos a vontade natural e animação dessa vontade.

     A Educação do Homem e o seu desenvolvimento têm seguido esta ordem, mas na atualidade estão a enfraquecer-se e a estabilizar-se numa grande insensibilidade e perda de força de vontade.

      Uma das ideias ou razões que me parecem ser responsáveis tem sido cultivada pela crença num individualismo social muito marcado pela posição de que quem não é por nós é contra nós. É um pensamento binário que traz consequências muito preocupantes, pois não basta desejar que sejam por nós, é necessário querer e fazer por isso, isto é, ser em nós com todos os outros

      Outra ideia, que reputo de responsável por esta crise que me parece vir a ser altamente perigosa para a nossa vida, prende-se com as características que deve ter aquele que é chamado pela sociedade para dirigir.

      Num regime social universal, o poder de participar é geral e a capacidade de escolha pressuporá esta mesma ordem. Assim, será com todos que se governa e através de todos que se é governado.

     Para o exercício de funções diretivas no poder social executivo ou legislativo, escolher-se-ão entre todos os que por vontade, por capacidades e aprovação vierem a ser reconhecidos com mérito. De qualquer modo, num regime social universal baseado na Democracia, todos serão chamados às responsabilidades da governação e todos serão potencialmente “escolhíveis”.

     Nos nossos dias o totalitarismo do grupo caiu também no aleatório das escolhas e, como sistema interpares, começou a negar o universalismo dos seus elementos e a força da sua ordem na escolha para cargos de responsabilidade, começou a situar-se no imprevisto e no acaso.

     Logo, são chamados, não alguns para todos, mas alguns apenas para alguns. O todo social político passou a ser aleatório na sua forma, porque os conteúdos de pensamento são de alguns só para alguns. Em conclusão, diz a lei que o que não tiver que ser naturalmente adquirido pelo aleatório, há de resultar em consequências negativas e de perigo para a vida do homem. Por isso, a situação atual é de profunda rejeição pela cultura universalista, e uma grande parte dos seres humanos está a caminhar às escuras sobre a confiança no mérito social e na força de todos.

    Voltemos de novo ao nosso sentimento de meninos: Quando brincávamos uns com os outros, no encontro de todos, nascia a força para nos lembrarmos uns dos outros. Fôssemos de um grupo ou de outro, no jogo de cada um nascia a vontade de ser melhor e ser mais reconhecido. E tanto valia ser pobre como rico, no jogo era melhor quem jogasse mais e melhor. Na amizade era comum o sentimento de convívio e só a algazarra da vitória poderia ser diferente e a ordem ser de alternativa.

      De qualquer forma, o que ficava quando chegava a hora de regressar a casa e de nos separarmos, até ao dia seguinte, era o sonho e a satisfação ou um certo desencanto e a vontade de mudar.

      Em todos ficava o desejo de ser melhor no outro dia, ser apto para ser escolhido, desejar ser o ganhador, mas não como na atualidade e como o que acontece a todos nós, conscientes ou inconscientes disso. Em que o Teatro está a ficar vazio de público, os atores já estão previamente escolhidos e as peças a representar não têm origem, são feitas para a ocasião e para desejo apenas de alguns, que são como os outros, mas não são como todos.

      Quando eu era pequenino, ouvia os meus pais dizer: “Cresce e aprende, meu filho, para que sejas um homem de amanhã”, para que sejas alguém que a história fale de ti, com alguma surpresa, mas sem vergonha. Para que sejas como nós, e, se fores mais rico, te lembres de todos e, em especial, “daqueles” que foram o exemplo para enriqueceres honrado, como Deus quer de nós.

      Quando eu era pequenino, eu sonhei, como todos vós, com um mundo mais perfeito e onde pudesse continuar a sonhar com um mundo que fosse melhor que o dos meus pais, porque a cultura do sonho nascia por dentro de nós, nascia na nossa vontade que ainda que constrangida pelos interesses sociais, ela era plantada em todos pelo mesmo Semeador e com a mesma Semente da Verdade Pura.

     Não quero dizer com este meu desânimo, que não se passe o mesmo agora, mas estamos divididos entre a tirania e afetividade impedindo esta divisão que os resultados de raiz sejam os mesmos como eram na origem para pudermos sentir vontade de continuar a lutar para uma vida melhor e com mais sentido.

      Mal sabíamos o que era a liberdade e, do lado em que viéssemos a ficar, a força de sonhar era mais forte que o sonho, porque nascia por dentro de nós, tinha uma raiz comum e a força que se espalhava era combativa e contrária, mas não caía em qualquer terreno, nem caía em corações empedernidos que levassem à descrença no gosto de viver e de crescer para sonhar e ser sonho. Lembro-me de me dizerem, quando eu era pequenino, se estudares, se aprenderes, se trabalhares, tu irás longe, tu serás alguém na vida…meu rapaz!...

     Hoje, sinto-me um garimpeiro, mas também um poeta fraternal, que à luz da filosofia da vida e do pensamento de todos vós, vos propõe que mudemos algumas regras, para que haja sempre razões plurais e destinos para a luz de todos os nossos sonhos.

Macedo Teixeira