SEMELHANTES A UMA ESPÉCIE DE “MOSCARDO”

            Vivemos a maior parte da nossa existência, ou se calhar toda a nossa vida, num sentimento de contínua insatisfação e numa infindável vontade de procurar sempre mais e mais, procurar o que nos parece diferente e com a ideia de esta nova realidade vir a ser melhor para a nossa satisfação e felicidade!...

            Será este sentimento, em busca do diferente e do novo, porventura um sentimento natural, especial e próprio da natureza humana, será este um sentido com força na nossa essência e, por isso, um sentido inato em cada um de nós?!

            Do que fui sentindo ao longo da minha vida, foi despertando na minha reflexão, que este sentimento quando na sua função mais persistente e acutilante, tende a tornar-se numa espécie de “moscardo”, que de tão incomodativo e permanente na dureza das suas picadas, nos vai sacudindo de tal modo, que a nossa consciência acabará por nos desinstalar de qualquer estado de conforto, mesmo que o nosso modo de viver não esteja despossuído de razoável satisfação.

        Sendo que, com esta permanente insistência na procura pelo novo, esta insatisfação acabará por nos descompor e quase de forma imperativa nos ordenar, para a necessidade de não pararmos e de continuarmos a prosseguir em direção à experiência da mudança, não deixando de procurar com a nossa nova Caminhada, seguir em direção ao que vamos intuindo como sendo melhor, do que tudo aquilo que possuímos, mesmo que já sintamos como nível razoável de conforto, mas que não sentimos ser já suficiente, em virtude da nossa contínua e persistente insatisfação.

            Pensada como insuficiente para podermos viver e procurar a nossa própria paz, pois a maior parte das vezes, movemo-nos numa consciência inquieta e num lapso de tempo um tanto apressado, sempre com vista à obtenção de uma nova ordem de satisfação, quase sempre guiados pela vontade insaciável para superar qualquer insatisfação sentida, ainda que, na maior parte das vezes, vamos acabando por não superar tal insatisfação para um nível melhor e com isso enviesámos a nossa vivência num sentimento sempre desesperado e insatisfeito.

            Neste inexplicável incitamento, aparentemente indireto e involuntário, vão-se criando sucessivas ansiedades e desejos, que nos levam para além de um espaço-tempo, percorrendo abstratamente em pensamento o ilimitado, quase sempre numa projeção imaginária sendo que nesta mudança aparente passamos admitir como real que estamos a caminhar ao encontro de um outro novo estado, que imaginamos vir a ser de maior contentamento.

        Estado este, que sendo considerado como uma superação pela mudança,  nos vai parecendo ser melhor, mas esta nova mudança não deixará nunca, mesmo que tenha sido já tomada como lei  social, não deixará de continuar a ser apenas um outro estado de desenvolvimento, porventura, parecendo ser melhor do que o anterior, mas que apesar de induzir a uma nova mudança de vida, mesmo assim, nunca  o ser humano admitirá o “quanto baste”, e isso o levará a uma ambição desmedida a caminhar sempre num sentimento transitório, em face da sua consciência de permanente insatisfação.

            Pois, se é verdade, que em cada novo estado de mudança social, nos vamos envolvendo numa certa expectativa pelo melhor, pois em virtude da nossa natureza,  o desenvolvimento humano proporcionará  mudança social, mas este continuará a ser apenas  um limite, de mais um momento de mudança não permanente nem contentável, já que a nossa consciência só tenderá a conceder alguma folga no nosso desejo de permanecer estável, enquanto não pudermos continuar a marchar numa nova direção, movidos por uma certa avidez, comportando-nos deste modo, como “UMA ESPÉCIE DE “MOSCARDO ”, que investe com “ferroadas”, perante a nossa imprevisível e sempre ansiosa insatisfação.

          Contudo, tomado que seja este movimento, aparentemente inato, pela necessidade de ajudar a impulsionar a nossa consciência para o cumprimento do que seja natural e bom, social e humano: sejam eles, o contentamento, a satisfação  ou a realização da essência da nossa vida, quando direcionado um tal movimento no sentido destes valores, poderá ser reconhecida como necessária esta insatisfação, quando não excessiva, mas ressalvando o valor desta insistência para a necessidade do novo, esta só será justificável, se vier a concorrer para um sentimento pessoal e social moderados e sempre entre o possível contexto do desenvolvimento, e não  no modo tão apressado e disforme como o que se tem verificado ao longo de pouco mais de meio século até ao presente, que têm convergido mais para o Mal do que para o Bem, desvirtuando a memória, a honra e o sentido de humanidade, valores que têm sido e continuarão a ser o melhor fermento da História do homem, e com essa perda de sentido, teremos de continuar a dar razão à expressão: “Tu és um insatisfeito por natureza.”

             Porém, não vejo em nada de tão necessário, de que tenhamos de aceitar esta insatisfação como algo natural, como algo que nos impeça de poder viver de modo mais moderado, contrariando esta permanente insatisfação, em que estamos a viver cada vez mais, nem vejo o seu necessário e real valor, se esta vontade natural não for orientada para o “quanto baste”, que é o que não está a ser considerando como uma condição necessária, pois o que se vai cada vez mais verificando (tendo em vista a atualidade) é que aquilo que é prioritariamente mais necessário, está cada vez mais a ser ignorado e desrespeitado, passando a valorizar-se mais aquilo que é supérfluo e muitas vezes mau, começando a triunfar o mais mediático, irreal e fantasioso, do que o mais discreto, mas melhor para sermos felizes e muito mais necessário, para podermos colaborar com a nossa vontade para o exercício do Bem, que irá pela sua ação impedindo a superação da confusão nas mentes humanas, sobre o usual  e muito mais importante, para o desenvolvimento da Humanidade, com vista à paz, à felicidade, ao amor, à criação de família, do trabalho e à melhor distribuição de riqueza, no tempo em que vivemos e por a maior parte das nossas ações sociais, estarem a caminhar muito mais para a desordem, do que para à ordem com vista à liberdade, a solidariedade e à dignidade de todos..

         Creio que só assim, e perante este procedimento, valerá a pena tomar esta ansiedade como natural e até boa, mesmo quando dependente da lei social, pois mesmo, que a nossa consciência possa ser muito perturbada, por um tal “moscardo” ou por um tal “aguilhão”, ao tomar-se assim no seu modo perturbante ela, torna-se também numa forma de enervação que será necessária para realizarmos a nossa vida, sobretudo torna-se numa enervação para a procura de um caminho melhor para a superação do que não temos e sobre o que nos pareça não estar ainda completo, no sentido da perfeição e da equidade.

         Só se observando nesta linha de orientação da nossa conduta, baseada numa insatisfação moderada, me parece ser tolerada uma tal ansiedade, ressalvando sempre na nossa boa vontade alguns excessos, sobretudo em que a nossa insatisfação tiver de ser ainda mais incisiva e apressada, quando pelo menos esta seja apenas, por qualquer razão mais desesperante.

            Contudo, se será plausível admitir-se um tal estado de sentimento, como sendo natural e necessário, para o crescimento da nossa satisfação, já o mesmo não se poderá dizer do seu sentido contrário, em que uma grande parte da sociedade, no Mundo atual vai dando à direção do sentido deste valor, no sentimento que é referido, negando aqueles que deverão ser os seus objetivos, pois no caso de um tal sentimento ser também essência do mistério da nossa vida, julgo em meu entender, que este só poderá ter como desígnios: a Verdade, a Responsabilidade e o Respeito.

            Verdade, porque se for condição da natureza humana a insatisfação, como homem nasce bom e participa da bondade, logo, trará consigo as sementes da verdade e qualquer satisfação só poderá ser entendida como tal se esta for coincidente com a bondade do homem e não for obtida pela sua negação, pois uma tal negação já não poderá ter valor para a vida e será apenas um contravalor, por consequência só poderá vir a tornar-se em maldade.

            Responsabilidade, porque se o ser humano, quando nasce não traz consigo nenhum contravalor, como no caso da mentira, da maldade e da perfídia, a sua ação só poderá ser para o bem da verdade, quando pela prática consciente e de boa intenção na toma de responsabilidade nos seus atos, que deverão ser com vista à obtenção do bem, e com essa atitude poderá manter inalterável a pureza da sua vida, naquilo que ela é, e não no seu contrário, porque procedendo por intenção irresponsável a rejeitará e a tornará impura pela perda e pela mancha.

          Respeito, porque se a insatisfação, for então uma condição natural, ela não poderá nunca perturbar a satisfação do outro, ressalvando que a mesma seja verdadeira e respeitosa, pois se com a sua insatisfação pretender excomungar a satisfação do seu semelhante, procederá em desconformidade com o que poderá ser a lei natural, e em consequência poderá cometer crime por contaminar um direito que sendo recíproco, será universal!

        Quem dera que o homem, não perdesse mais tempo, com a insatisfação gerada pela vontade de dominar, ser poderoso, ser egoísta, ser falso e julgar-se dono do Mundo.

Vivemos, é verdade, nesta quadra (de desespero sobre uma epidemia de malfeitores, corruptos, criminosos, que parece ser incontrolável!) num tempo de Paz aparente.

        Numa paz silenciosa e de receio sobre a proteção da nossa vida, no presente e em relação ao futuro, na saúde, no emprego, na convivência social, na força do poder cego das tecnologias que cada vez substituem mais a mais valia da capacidade humana que deverá continuar a ser apoiada, mas não substituída por passar a ser robotizada, mas também devemos continuar a pensar na contínua necessidade, da emergência no socorro a tantas crianças, homens e mulheres, adultos e jovens, velhos e novos, todos os que se encontram abandonados à sua sorte, a morrer à fome e à sede nos mares das migrações. A viver na penúria nos campos de refugiados e nas debandadas para fugir à guerra e à pobreza, em vários países do Mundo ricos de valores materiais, mas tão pobres em valores humanos, países em que vivem milhões de seres humanos.

        Por isso, mesmo assim, apesar de estarmos a viver nesta quadra temporal de maior receio, em relação à nossa vida e saúde, quer no presente quer no futuro, apesar do medo que temos de todos os vírus, que cada vez vão sendo mais fortes e poderosos, na força sobre o nosso Sistema Imunitário, deveremos manter a solidariedade e o amor incondicional, sobretudo valorizando os que mais têm lutado e continuam a lutar, para manter e criar esperança  de que é possível salvar a nossa vida.

       No entanto, às vezes, também eu, como qualquer um outro de vós, continuo mesmo assim perante a miséria humana, que grassa no nosso Mundo, a dizer, de que gostaria antes de em lugar de falar de paz açaimada e de medo, valores contrários ( ao amor, dignidade e solidariedade) que são fundamentais nesta quadra de tragédia, que se vive em todo o mundo e que se vai tornando cada vez mais em ambiente de receio em saber como viver em conjunto, agora e depois, na esperança de ser superado o Caos gerado por esta pandemia de traiçoeiros, criminosos, corruptos; afinal, homens sem dignidade!

        Também eu (se não fora o caso da minha fé num mundo novo), gostaria muito mais de gritar em desespero e em condenação, sobretudo gritar aos mais responsáveis, condenando-os por uma certa parte de todas estas tragédias, sobretudo pela fome e pela guerra que matam tantos inocentes no mundo, pois parecem nem perceber ou aceitar como condição normal, pois a estes acontecimentos têm sido quase indiferentes, deixam avançar a ingratidão e o desespero na maior parte das pessoas, tornando o mundo social  tão indiferente e cruel.

        No entanto, perdoando (mais pela Fé do que pela realidade) vou acreditando nos numa nova humanidade e na mudança de mentalidades, acreditando de que "amanhã" será um novo dia e, com ele haverão de surgir homens de boa vontade e de grande coragem, e de que jamais irão continuar a permitir, sem reprimenda, que continue a alastrar-se a desgraça e a miséria que vão predominando neste mundo, e então nessa altura, possamos dizer como o poeta: “Há quanto tempo sonho com Aquele que há de vir e não vem.”

       Ou possamos eu e todos vós, acrescentar: "Há quanto tempo sonhamos, com Aquele que haveria de vir e veio”, porque sempre esteve no meio de nós!

Macedo Teixeira