OCULTOS ENTRE CENAS

      Ocultos entre cenas vemos o Mundo desfilar nas suas múltiplas e agradáveis variações; estados de graça e de misericórdia humana; factos de grande satisfação e de profundo sofrimento.

     Entre cenas, vemos o “espetáculo” que não queremos e que, não podendo deixar de ver, vemos só o que nos não dói ou o que os nossos sentimentos nos permitem. Vemos o Mundo que varia e muda, que se transforma e se enfraquece para acudir às desgraças da inteligência humana, que imprevidente e teimosa, pensa que tudo pode fazer, para os seus prazeres e gozo das suas “grandiosidades”.

    Ocultos entre cenas, assistimos amedrontados pela incerteza do futuro, porque o presente está ameaçado e a Vida se afunda na desgraça de uma juventude sem esperança e uma sociedade sem ordem e sem rumo.

     O Mundo não se governa sem ordem, nem com tamanha desfaçatez e desinteresse pela verdade e pelo gosto de organizar a Sociedade na base dos princípios sociais e morais. A sociedade não pode ser apenas, formada pelo conjunto de pessoas ou pelo elitismo dos grupos: onde reina o ruído e a confusão ou o separatismo e a distância; deste modo não há rumo social correto.

     Entre cenas, assistimos ao nascer de corações despedaçados, de consciências laceradas pela falta de retidão dos outros, de brio e interesse em comungar de um mundo humano, com emoções fortes e desejos de aventura na liberdade do amor e do respeito do homem pelo homem.

      Diz J. Lacan que o homem fala porque a linguagem o fez homem. Sem a linguagem humana, não teríamos superado a nossa animalidade natural; não faríamos senão gestos, e estes não seriam tão perfeitos e coordenados como são! Mas nós não podemos limitar a nossa fala ao conjunto das pessoas ruidosas e confusas ou às elites separatistas e autoproclamadas de “eleitas” e perfeitas.

      A linguagem faz o Homem e este surge no ser social que é, com virtudes e defeitos, com sonhos e pesadelos, sem ter o direito de se deixar perder na confusão e desordem, nem o direito de se autoproclamar superior aos outros e, em consequência, criar grupos que formam elites sem rosto nem alma social. Veja-se a exemplo os grupos que, em nome de uma religião, que às vezes nem compreendem bem, procedem criminosamente, matando todos aqueles que não comungam dos seus fanatismos de tutela.

     Entre cenas, assistimos à queda dos “velhos atores” perfeitos e lúcidos, que nunca foram escravos de ideologias ou poderes de qualquer espécie, que nunca foram sobranceiros aos que eram mais pobres nem abdicaram de autonomia, liberdade e sinceridade.

      Atores que amaram uma ideia comum: serem homens e fazerem os outros serem a mesma coisa; homens que desejaram sonhar, viver, amar, rezar, e, quando já velhos, testemunharem que vale a pena viver, em liberdade e não ocultos entre cenas, sermos assistentes diretos, participarmos do “espetáculo”, porque tudo está bem, embora a Humanidade também envelheça, para poder se renovar, com os novos filhos que nela diariamente vão nascendo.

    Entre cenas, sentimos uma vontade enorme de gritar, para que este “espetáculo” degradante da Humanidade atual termine, antes que o palco se afunde e as luzes se apaguem de vez.