INSTANTES DE ESPIRITO

10.08.2022
 
     Sem preocupação de tempo e de horário entrava lentamente no barco que o haveria de levar até a um lado da sua escolha.
 
     Apesar de temporário no local começara a fazer-se rotina, cumprimentava o mestre da embarcação com um sorriso, num olhar de relâmpago fixava as margens e num olhar discreto apreendia os rostos dos restantes companheiros de viagem.
 
     Sentado e apeado na segurança pelo cumprimento das regras ia olhando intensamente através da objetiva, disparando a máquina e produzindo flashes de luz para registar os elementos naturais que apanhava.
 
     Barcos, pessoas, paisagens, tudo isto entre os movimentos ondulatórios da água que quebravam o silêncio sem espalhar surpresa, a não ser pelo girar dos motores, que mais ruidosos empurravam aqueles barcos em esforço para um pouco mais além.
 
     Fixado e amarrado agora ao cais, o velho mestre apressava-se a disparar cumprimentos de despedida e votos de um dia bem passado, entre as areias calmas e os banhos daquele mar.
 
     Aquelas pessoas, apesar de desconhecidas, significavam o seu ganha pão e era preciso manter um bom ânimo, depois, mesmo que sendo pobres, estas almas triunfam com a sua humildade e acreditam terem o " prémio dos céus "
 
     -Bom dia, até à próxima mestre!
 
     Despedia-se com um largo sorriso e já a comungar naquela mansidão.
 
     Entretanto, a tatear o caminho que o levava até à praia, refreava o ímpeto da arte a perscrutar na distância o horizonte que se erguia lá ao longe.
 
     Lentamente, como se quisesse deixar profundas pegadas no chão, forçava a palma dos pés e com os calcanhares cortava a areia até bem fundo e ao ponto de perderem toda a nudez com a areia que lhe cobria a sua brancura.
 
     Àquela hora, ainda um pouco matutina, o areal estava ainda fresco e sobre as camadas mais finas ainda aspergiam em salpicos as gotas que as golfadas de água tinham deixado antes.
 
     Mergulhado na imensidão daquela natureza oceânica, sentava-se no chão acariciar as conchas que num colorido astral o levavam até ao sonho de ver nas coisas simples os mistérios da Criação; em cada uma delas vivera um ser vivo e num limite de tempo a rolar pelo espaço sofrera também as penas da transformação.
 
     Ainda a contemplar naquela meditação fizera-se um silencio quase cúmplice que sem produzir palavra interrogara na intimidade:
 
-porquê, por que é que tudo tem de ser assim?
 
     Despedaçado na compreensão e agarrado aos silencios, sentira como caída do além a tanger a sua imaginação, uma mulher que numa passada leve se encaminhava ao encontro do mar.
 
     Levantara com elegância o olhar, tocara-lhe sem pensar em todo o rosto e quase impercetível nos gestos do olhar observara que aqueles olhos e aquele rosto de beleza estranha eram a expressão da vida na sua mais bela quietude
.
     De repente, desprenderam-se em si as amarras da desilusão que lhe provocaram aquelas conchas repletas de colorido, lindas, muito lindas, mas vazias de vida e cheias de solidão.
 
     A sua imaginação voltara a encher-se de mistério e o perdão da inocência dera-lhe de novo o elan de voltar a ser jovem.
 
Macedo Teixeira