ENTRE TUDO E NADA

Desde pequeninos, que em tudo o que fazemos, pensamos ou comunicamos, vamos querendo ser os melhores e ser os primeiros – sentir que crescemos para a vitória (estimulados em parte pela educação e instrução que vamos recebendo), conquistar a apreciação dos amigos, conseguirmos ser notados na nossa personalidade, sermos destacados como “génios”, sermos reconhecidos como os mais inteligentes, etc.

É evidente, (valha-nos a certeza desta crença) de que existem muitas exceções sobre o modo de assimilação desta complexa vontade negativa em deixar-se conduzir por esta “pseudonorma social”, uma vez, que  o esplendor da humildade, ainda continua a tornar-se num valor que vai prevalecendo ao longo dos tempos, sobretudo, continua a tornar-se num valor, que na experiência da nossa vida  vai vergando estes sentimentos ilusórios (do ser superior), uma vontade negativa que começa logo no ser criança, pois, quando crescemos na elevação do sentido da humildade eleva-se o sentido da pessoa humana, surgindo como consequência na aprendizagem a necessidade da compreensão do dever de obediência, sendo que com esta força valorativa, coadjuvada com outras, logo na fase de criança, torna-se mais fácil compreender a nossa  organizando e disciplina, quer no crescimento cultural, quer no desenvolvimento social e psicológico.

Se assim não fosse, se a Humildade não prevalecesse sobre o negativo, dificilmente daríamos conta desta pressão psicológica que se vai exercendo sobre o nosso ser durante a nossa existência, e que também se vai estendendo, com ou sem intenção, e com muita persistência sobre o grupo social. Logo, quando no nosso crescimento e desenvolvimento, estes desejos ilusórios se vão descuidadamente tornando inflexíveis na teimosia em resistir à aprendizagem interativa, e em deixar-se voluntariamente guiar pela experiência dos melhores exemplos, para o presente e para o futuro do aprendizado, por falta de uma boa orientação modelar educativa e formativa, então, também pelo poder desta força negativa exercida na teimosia de tal inflexibilidade, vão também sendo ao longo do nosso crescimento e desenvolvimento social, mal estruturados todos os conhecimentos na nossa personalidade individual e social, e, por consequência, poderão tornar-se na matriz cívica da ordem pública, ainda antes da maioridade, mas sobretudo, no estado de adultos, na principal causa da tendência para a vontade de guerrear, roubar, matar, burlar, mentir; em suma, proceder e tornar-se, na principal apetência, para a fuga à prática do valor do Bem e para atração e queda para a prática do valor do Mal.

É de acreditar, que certamente, conseguir-se-ia contrariar o que é dito, sobre os efeitos negativos, em cada um, da possível falta de uma boa orientação modelar educativa e formativa, se na maior parte das vezes no ato educativo e nos atos de convivência, o valor da cooperação social fosse entendido e ensinado, com maior insistência na família e na escola, ensinado, como sendo um dos valores mais importantes para a comunidade, do que qualquer valor da competição individual, justificando com boas práticas este sentimento tão importante para a paz, desde que fosse estruturando voluntariamente ao longo do nosso crescimento.

Num juízo, ainda que teórico, é de crer que este modo pedagógico, permitiria compreender melhor o valor da solidariedade e do desejo de ser exemplo no Amor Comum, contrariando deste modo, a maior parte da tendência para o egoísmo, a xenofobia, o racismo, e sobretudo, para evitarmos ser iludidos na vontade para a ideia de superioridade, fosse no obter de riqueza de conhecimentos, fosse no adquirir de alguma riqueza material, ou iludir-se para qualquer forma de poder, que se nota muitas vezes até no estatuto social de cada um, notando-se ainda mais no aumentar do poder económico, que vergonhosamente é associado ao domínio da vitória – basta verificar ,como lutam os poderosos, para serem os primeiros no ranking dos mais ricos do Mundo!

E o que é estranho, é que tudo isto parece ser aceite socialmente, com naturalidade!

Nada, em que no nosso querer menos atento, nos faça notar qualquer diferença entre o normal e o exagero, nada que faça com que achemos alguma dúvida ou estranheza, para nos interrogarmos o suficiente, sobre o  sentido e entusiasmo construído nesta vontade negativa, tornando-a indeclinável, distinguindo-a como se esta fosse a única aspiração natural, a única aspiração infinitamente desejável.

Chegando ao ponto, de nos desinteressarmos em condenar com toda a nossa força, para denunciar o caminho errado, no qual aos poucos vamos todos sendo envolvidos involuntariamente, quando deveria ser o contrário, mudarmos a atitude para excitarmo-nos na discordância sobre tamanhas artimanhas dos sistemas. Combatermos contra o sentido desta mórbida concordância e tolerância passiva, para nos voltarmos a  tornar nos exemplos do amanhã, e com esta atitude natural voltarmos a pensar que o Caminho do Homem, só poderá ser aquele, que o leve a tornar-se num Homem no verdadeiro sentido da palavra, ser aquele Caminho na Verdade que o leve, quando no caso, a  ser um pai extremoso, a ser um valor para a família, a ser um amigo estimável e a ser um exemplo a seguir; ou seja, o leve a existir e a viver em sociedade e ser com elevada determinação, um cidadão exemplar no Mundo.

Porém, à medida que o tempo vai passando, ou melhor, à medida que nós vamos passando (pois o tempo fica; nós é que vamos passando), vamo-nos apercebendo de que foram concorrendo para o nosso bem ou mal-estar, certas circunstâncias ou aspetos mais ou menos determinantes e, em que fomos também, os seus principais agentes, apesar de muitas vezes (nos refugiarmos na nossa inconsciência) endossando toda a responsabilidade no papel importante que deverá ter o Estado e as Instituições, para a nossa orientação e socorro, principalmente, as que intervêm na Organização do Mundo.

Mas, sejamos francos e livres em aceitar a nossa parte de culpa e não culpemos o Estado de tudo o que acontece de mal, já que somos sujeitos livres e autónomos!

Desde logo, por tentarmos em tudo continuar a pensar em  sermos os primeiros, em sermos sempre vitoriosos, e não aceitarmos perder nem sermos também perdedores, nem aceitarmos, quando inevitáveis, os fracassos nem as frustrações de qualquer derrota, e com este imperativo de tudo querer vencer, acabarmos por nos esquecer na maior parte do tempo, de pensarmos em viver, de pensarmos em viver simplesmente, e amar sempre tendo em conta, o dom da vida.

Depois, achando-nos livres e autónomos, não serão raras as vezes em que nos deixamos levar pelas aparências (do que é vantajoso, do que tem interesse, no que vale a pena apostar!), deixando-nos enredar pelo que parece ser belo e fascinante, e só verificando mais tarde, de que tal não passou duma simples sombra, do que será a própria beleza na sua beatitude e eternidade.

Por fim, vamo-nos agarrando ao Mundo, como se pudéssemos ter nele mais do que a possibilidade de sermos passageiros numa viagem, que começou num determinado lapso de tempo, que sendo finito, não é eterno e às vezes tarde ou nunca descobrimos, que como sujeitos, vamos passando até qualquer dia, e só então, muito lentamente, lá iremos percebendo, de que entre o finito e o nada, haverá certamente o Infinito e a Eternidade.

Será nesta altura, que nos quedamos perante a fragilidade, que ficaremos em silêncio e meditemos, sobretudo no termo-nos esquecido de viver e amar plenamente, no termos sonhado com impérios que darão poder social, mas jamais poderão comprar a nossa vida nem a nossa eternidade, de lembrarmo-nos de nos termos esquecido de que os corpos murcham, que perdem ao longo do tempo a beleza da sua forma, enquanto a vida da nossa alma se manterá inalterável e, se com brevidade a soltarmos das amarras, com que às vezes a prendemos, ela nos encherá de luz, e até as lágrimas se tornarão num soro que, não existindo neste mundo, poderá vir de outro quando dele mais necessitarmos, poderá vir daquela Pátria que, essa sim, sendo a nossa, jamais se poderá registar em algum livro humano.

Com o passar do tempo, vamo-nos apercebendo de que, se até quiséssemos mudar completamente o nosso modo de vida, talvez nem conseguíssemos, pelo menos sem nenhuma rutura (familiar, social, profissional…) pelos compromissos que fôramos assumindo ao longo da nossa caminhada, que nos foi levando à lenta e dócil perda da nossa liberdade, pois a certa altura, já não somos mais do que seres normativos e morais, seres condenados a viver entre um pensamento sempre controlado e obediente, mas pouco sociável, e muitas das vezes a vivermos maioritariamente frustrados e amargurados (pelas injustiças e pela maldade) procurando fugir às sombras de uma cadeia, fugir à amargura de um hospital, quando a viver em dor e sofrimento e, ainda que lá estando, entre vários, sentirmo-nos a viver entre um sentimento de solidão e de vazio.

Não sei como entender esta contradição, entre tudo querermos e sabermos que nada temos, de sabermos que um dia deixaremos tudo sem contestação.

Não sei como será isto tolerável e tenho dificuldades em admitir a mudança, se não formos capazes de resistir às tentações, às fantasias do tudo ter, sem deixar prevalecer primeiro, o nosso ser e sem deixar de procurar em toda a parte, uma luz que nos ilumine e nos guie, para o Caminho, para a Verdade e para a Vida.

Foi numa criança que o poeta encontrou a paz e a tranquilidade que procurava em todos os “negócios” que fora fazendo ao longo do tempo, negócios que a maior parte de nós também vai fazendo, ainda que muitas vezes diga que não!

Será um desejo, mas também um convite, para pensarmos melhor no modo da nossa existência, em cada dia que formos vivendo, e oxalá, que um dia possamos também ter a sorte de termos alguém, que nos queira comprar, “somente com Nada”, e nós possamos dizer como o poeta, com este negócio que fiz poderei vir a poder alcançar Tudo em que acredito, “Naquele que É”.

Macedo Teixeira