Sementes da Verdade

20-07-2012 18:19

SEMENTES DA VERDADE

NOTA BREVE

 

    Este punhado de ideias são Sementes da Verdade que servem nos nossos sonhos, vivem-se na realidade e sentem-se na atitude.

   São a síntese de uma relação simples entre os conteúdos escritos e o poder revelador que eles transmitirão a quem de formação mais cuidada, ou a quem de formação mais simples e do mais puro e imediato da Vida. Basta que sejam leitores e isso chegará para captarem o essencial das preocupações que esta pequena obra abarca no seu todo.

   Organizei-a nos momentos que julgo serem os verticais na vida de qualquer homem. Os momentos que preenchemos com a vida que vamos vivendo e com o significado que dela vamos recebendo; umas vezes, na verticalização social com referência a um Estado que nos compromete e nos reclama a servi-lo; aprendendo cedo nas lições da escola o que hão-de ser as lições da vida. Outras vezes, exigindo do Estado que as lições e o trabalho, já arduamente desgastados e profanamente perdidos, sejam ainda o calor que anime os “restos de um poder” que não acaba, mas se enfraquece, e que nos oriente para os rumos da eternidade que, são afinal o resultado das lições e de todos os trabalhos que nos dignificam como criadores, semelhantes só na pequenez, da Infinitude Daquele que nos Criou.

   E por fim, pedindo o sonho que cada um descobre, ser o seu possível, sem penhor nem servidão, apenas vivido na vida de cada um, com o desejo e a responsabilidade de ser o sonho que lhe foi dado realizar, para o bem de todos e de tudo, mas exclusivo à sua glória e significado, de ter nascido e ser homem.

   Escrevi com simplicidade e com preocupação de ajudar no entendimento de alguns aspectos da nossa formação, sobretudo tomei em consideração os aspectos que nem sempre podemos ouvir com tanta seriedade, como a que decorre de uma intimidade de leitura: a Vida, o Sonho, a Verdade, o Comércio, a Escola, a Moral…; questões que nos preenchem e que às vezes só delas nos apercebemos, quando já somos velhos e a rectificação já não é possível.

   Escrevi sem raiva nem remorso, sem confinação nem preciosismo, sem preocupações de grandeza de qualquer espécie, apenas com a certeza que com este meu acto, estava a reconhecer todos aqueles que me ensinaram e ajudaram a chegar, aos rumos em que se misturam os momentos da verticalidade de qualquer obra que, sendo nossa, é de todos em geral e, de ninguém em particular. Mas que eu e todos os que aqui chegam, sabem que se misturam tal como os elementos que nos definem e que, tal como os sons ou as gotículas de qualquer líquido, se separam na ordem sem da Ordem se separarem: da Ordem da Verdade, da Justiça, do Bem e de Deus.

O Autor

 

PRIMEIRA PARTE

DA SOCIEDADE PARA O ESTADO

I

O homem é um ser voluntarioso (1)

   “O Universo nunca será completamente bom enquanto existir um ser infeliz, enquanto um pobre insecto sofrer as penas de um amor não correspondido”. — William James.

   É a partir do acto da concepção que a potencial mãe se funde numa complexa intimidade com o ser que acaricia no ventre. O Mundo torna-se quase indiferente e subalterno. Nada lhe é semelhante — só a imaginação a intima a referenciar-se com os outros: o mundo é agora, ela, o seu bebé e o tempo a torná-lo distinto na raça e no sexo.

   Uma vigilância sempre atenta, professa em silêncio a realidade esperada no despertar para a Vida: para uma vida que se deseja socialmente livre, fraterna e justa; embora se reconheça que, na história humana, nem sempre estes princípios são gerais e comuns, e muitas vezes se encontram desgastados pelos comportamentos que os contrariam e não os servem dignamente. Paradoxalmente, contrariados e desgastados, por aqueles que de um modo geral também, nos mistérios da fecundação e criação, desejam intimidade absoluta e liberdade total para a realização destes valores, bem como, estes se transmitam ao ser que deles descende, para que este na prática, por comportamentos e acções, seja socialmente mais nobre que os seus progenitores.

   Complexa concordância proverbial, —”Não olhes para o que faço, olha para o que eu digo”, como se este juízo fosse sentencioso de todos os actos indignos e libertador das más imitações. Mas, pudéssemos nós nos nossos dias, controlar com total eficácia todos os nossos impulsos e nunca nos desviarmos do regular e essencial, e não faríamos, certamente tanto esforço nas práticas reais e efectivas, dignas e aceites como modelos na demonstração da possibilidade dos homens e mulheres deste mundo, de alterarem as suas vivências e relações, em qualquer “tempo”, em qualquer lugar e em qualquer condição. Pudéssemos nós, na maior parte das nossas actividades prescindir das nossas exigências de pontos de referência, que em confronto com as «realidades historicamente velhas», em alguns casos, exasperam mesmo os mais devotos. Pudéssemos nós, mais facilmente, tornar idêntico o conteúdo com o conceito e dissiparíamos favoravelmente a dúvida que a subjectividade desenvolve.

   Pudéssemos nós, enfim, já nos nossos dias, exemplificar objectivamente a justiça sem o recurso à idealidade perfeita e que todas as práticas experimentassem os momentos de abstracção exacta na consciência glorificadora deste valor supremo; e, então, se anulariam os conflitos subtis que surgem no romper com o desconhecido, no desocultar a Natureza, no objectivar o Universo, no despertar do sono tendencial à fruição do espontâneo e efémero; no libertar, enfim, a Sabedoria do que é ainda oculto e incompreendido. O provérbio se tornaria em verbo, o Universo se tornaria completamente bom e o homem na certeza do exemplar significado da Vida.

   Mesmo assim, julgamos que o estado de desenvolvimento e de progresso em que nos encontramos, merece considerações de aprovação e reconhecimento e pensamos que uma melhor articulação e aperfeiçoamento da fascinante relação que unifica a Vontade, o Desejo e o Compromisso na vida humana, possibilitaria uma aceleração para atingirmos as dimensões perfeitas de relacionamento e acção que em exposição referimos, e que nos nossos dias são ainda bastante imperfeitas.

   Situemo-nos, então, na fascinante relação unitária das dimensões da Vontade, do Desejo e do Compromisso, que resulta das actividades da força flutuante do pensamento, que oscila entre cada uma destas dimensões e procuremos descobrir como actuam na vida de cada um em relação às dificuldades enunciadas; descobrir como em qualquer dimensão individualizada se revelam as virtualidades e autonomia e como, no geral, se caracterizam por um complexo e notório fascínio, que nos intimam na urgência da aprendizagem do que nos falta em aperfeiçoamento.

   A vontade e o desejo intimam o homem na satisfação das necessidades primeiras e na concretização progressiva dos ideais, que a acção e o conhecimento vão alcançando em cada sucessão espácio-temporal e em cada forma sócio-moral. Por estes valores, resiste à tendência imobilista do corpo e lança-se na distinção da verdade que o ímpeto das sensações tende a organizar em necessidade, pois tratando-se de necessidades, elas são distintas na finalidade e função, embora sejam comuns na vocação suprema, universal e infinita, tanto do corpo como do intelecto humano.

   Mas se a vontade tem como companheiro de jornada o desejo, e implicitamente se empenham ou comprometem na realização dos assomos do esplendor que tornam o homem feliz e diferente, quando não distintas na organização sócio-biológica e não auto-reflectidas em cada uma e no conjunto destas componentes naturais, podem realizar, também, os laivos da vergonha, da perfídia e da conjura.

   Citemos para o efeito, Tennyson: «Nada caminha com passos sem rumo; nenhuma vida será destruída, ou atirada como refugo ao vácuo, quando Deus completar o edifício».

   Reflectindo na importância que o homem tem para Deus, no completar do edifício cósmico e no seguimento da concepção de Tennyson sobre o lugar de cada homem na Obra divina, surge-nos a interrogação sobre todos aqueles que teimosamente contrariam a ordem natural: Qual o lugar que virão a ocupar no edifício? E que atraso provocarão na edificação cósmica?

   Nem uma nem outra resposta sabemos, quer sobre o homem regular quer sobre o homem irregular mas, enquanto sobre os primeiros julgamos ser possível afirmar que facilitam a edificação no tempo e no lugar, já sobre os segundos, pela mesma ordem natural e lógica que resulta dos desvios provocados em cada uma destas dimensões, julgamos ser possível dizer que se o edifício não é impedido de ser construído no tempo, já no que se refere ao lugar ocupado por cada um, ele será diferente na ordem divina alcançada. Se os frutos ficam nas árvores até apodrecerem, servem que desígnios? E em que lugar ficam?

   Nós somos o centro em torno do qual gravitam todas as forças da Natureza, necessariamente em equilíbrio e progressivamente em mudança. Esta honra compromete-nos reciprocamente na dignidade e na distinção de tudo quanto depender da nossa acção e conduta. Funções humanas que definem a pessoalidade e individualidade em cada tempo e em cada lugar, em todos os processos de integração múltipla e sistemática e nos quais o homem intervém, pela inteligência, para que a evolução natural regular se processe em toda a complexidade das funções motoras, orgânicas e mentais.

   É condição natural de qualquer ser humano elevar-se na superioridade do pensamento, entender pela aprendizagem a diferença entre a facilidade (aparência) e a complexidade exigível para a compreensão e descoberta da Verdade. Para o efeito, deve o homem percorrer a distância que medeia entre o objectivo sombrio e a luz autêntica, entre a aparência e a Verdade, impedindo por todos os factores culturais regulares a obstrução na relação límpida entre estes valores da Verdade e da extensão coincidente.

   Por este compromisso confirmamos a nossa superioridade qualitativa em relação aos seres que nos são imediatamente inferiores (desprovidos de racionalidade); e descobrimos, em simultâneo, que esta responsabilidade nos exige a assunção do significado que temos no mundo e da procura do nosso complexo lugar que nos é indicado no edifício cósmico. Resultando em sequência lógica a procura da razão da nossa vida e como ela se desenvolve no caminhar pela Verdade e no existir por ela.

   Tal reconhecimento e assunção descobre-se, porque na natural distinção entre seres racionais e irracionais ocorrem raciocínios orientadores que definem cada uma das ordens do ser e nos fazem sentir que a valoração do mundo, nas suas diferentes ordens e criaturas, não depende da nossa vontade na afirmação da nossa superioridade ou diferença, antes, depende da descoberta pelo conhecimento da ordenação e hierarquização do Cosmos e desígnios divinos na criação de cada natureza e de cada criatura. Assim se vai descobrindo pela razão que a nossa superioridade resulta do ser complexo que somos e das respostas que nos são pedidas no trabalho conjugado em toda a Criação, e não em resultado exclusivo de qualquer actividade humana, de transformação ou de mudança, que o homem pode provocar, e é exigível que o faça. E pelas capacidades criadoras das diferentes ordens estéticas e formas organizacionais físicas e sociais, se vai descobrindo também, o porquê de muito nos ser pedido para a identificação da nossa complexidade na força reveladora do muito nos ser dado na globalidade da Criação.

   Quando atingimos este estado de conhecimento e de vivência, somos guiados por degraus que exigem que a sua escalada e elevação seja efectuada pela orientação da meditação, para que a Verdade se revele em nós, natural e divinamente, e não resulte de uma construção mista e confusa em resultado do que é, e do que a nossa vontade ordenou que fosse.

 

  • O Autor quis preservar mantendo a forma ortográfica em que o Livro foi escrito.

Autor: Macedo Teixeira; Obra: Sementes da Verdade; Fotocomposição e Impressão: ROCHA/Artes Gráficas, L.da; Julho de 1992; págs. 1 a 12.