O Existencialismo

26-04-2013 16:25

O Existencialismo

Macedo Teixeira

    Foi num ambiente de profunda crise existencial e grande dramatismo, que nasceu uma nova atitude de pensamento teórico e prático que se alargou a diversos países e tomou formas diversas, consoante os autores. O existencialismo, a que alguns autores preferem chamar filosofia existencial, é consequência da terrível onda de violência e destruição provocadas pelas duas Guerras Mundiais, a que o nosso mundo assistiu e ainda pouco pôde fazer para não repetir.

   Iniciou-se como movimento após a Primeira Guerra na Alemanha e na França, prolongou-se depois a outros países, entre eles os Estados Unidos da América, e após a Segunda Guerra Mundial surgiu como esforço de criar uma nova conceção do mundo de harmonia com os estados de espírito da intelectualidade burguesa, mas tendo em conta, como diz Unamuno, o homem como um ser concreto; o homem como um ser de carne e osso, que dorme, pensa e quer. O termo “existencialismo” foi introduzido pelo neokantiano Fritz Heinemann (1929) e tem como fontes ideológicas: a filosofia da vida, a fenomenologia de Husserl e a doutrina místico-religiosa de Kierkegaard. O existencialismo distingue-se em religioso pela perspetiva de Jaspers, Berdiaiev e Buber e em ateu pela perspetiva de Heidegger, Sartre e Camus.

   Pode dizer-se que na filosofia da existência encontrou o seu reflexo, a crise do liberalismo incapaz de dar respostas à instabilidade e desorganização da vida humana na sociedade, e, como consequência, explicar a razão para os sentimentos de angústia, desespero e desolação inerentes ao homem desta sociedade. Ou seja, se a questão ontológica do ser, do existir e do permanecer era a questão teórica insistente desde a Antiguidade grega, tornou-se a partir desta altura numa questão-síntese de um trajeto que se reduz aos limites da vivência humana, perante as diversas situações, onde o viver é mais preocupante do que o existir na identidade do ser.

   Para uns, o existencialismo foi visto como um perigo social, um cancro que ameaçava corromper a sólida estrutura do pensamento tradicional; para outros, um mero jogo de palavras e conceitos, “um romance policial da existência” ou uma autêntica filosofia revolucionária e filosofia do nosso tempo.

   São expressões desta síntese pensamentos como os de Sartre: “tu não és mais do que a tua vida”, ou de Hegel: “só há uma realidade verdadeira e plena, a totalidade racional”. O problema fundamental passou a ser o da nossa relação, como existente, com Deus, o Absoluto, que é essencialmente Outro, portanto sem relação. Quer dizer que eu só sou enquanto em relação com um ser que não admite em si qualquer tipo de relação.

   O existencialismo, nesta perspetiva histórica, e como crise da razão, torna-se reação irracionalista ao racionalismo do Iluminismo e à filosofia clássica alemã. Afirmam os filósofos existencialistas que o principal vício do pensamento racional consiste em tomar como ponto de partida o princípio da contraposição entre sujeito e objeto, ou seja, a divisão do mundo em duas esferas: a objetiva e a subjetiva. O pensamento racional vê toda a realidade, incluindo o homem, apenas como objeto; como algo alheio ao homem. Para a filosofia existencialista, esta ideia sobre o ponto de partida para a Atitude humana sobre a realidade devia fundar-se no conceito de unidade entre o sujeito e objeto e interpretar-se como estando encarnada na “existência”, o homem deve encontrar-se numa “situação limite”, por exemplo, em face da morte ou em face do trabalho sem limite. Isto faz com que o mundo se converta para o homem em “intimamente próximo” – é este conceito de conhecimento sobre si ou, segundo o existencialismo, de penetração no mundo da “existência”, que corresponde à intuição (experiência existencial) em Marcel; à “compreensão” em Heidegger, à “iluminação existencial” em Jaspers e ao método fenomenológico em Husserl interpretado irracionalmente ou pela causa de existir em si.

   Aliás, vem a propósito lembrar da Coleção: “Apontamentos Europa-América” da autoria de Maria da Conceição Coelho e Maria Teresa Azinhaga, algumas expressões da filosofia existencialista de Kierkegaard: “A multidão é mentira, só o indivíduo é verdade” ou “sê subjetivo e estarás na verdade”, de Sartre: “O Homem não é mais do que ele se faz”, e isto é o primeiro princípio da Subjetividade, ou seja, significa que o Homem primeiro existe. O Homem é um projeto que se vive subjetivamente em vez de ser um creme… “o homem será antes de mais o que tiver projetado ser. Não o que ele quiser ser”.

   – O que é, então, o Subjetivismo, e em que se baseia para ter assim tanta importância no existencialismo?

   O Subjetivismo é uma atitude filosófica que faz depender o valor do conhecimento das condições subjetivas, englobando nestas a natureza ou o estado do sujeito. Contrapondo-se frontalmente ao objetivismo, toma o sujeito cognoscente como objeto quase exclusivo do conhecimento e reduz a realidade existente à realidade do eu. Destacam-se várias formas de subjetivismo que relevo da análise da Enciclopédia Logos da Verbo, o texto de M. Morais e que diz o seguinte:

   – “Embora se trate de uma tendência gnosiológica, invadiu todos os campos de pensamento, podendo-se falar hoje de um subjetivismo psicológico (tendência do indivíduo a fechar-se dentro da sua personalidade e a apreciar todas as coisas segundo os seus sentimentos e ideias, incapaz de se colocar num ponto de vista independente da subjetividade), de um subjetivismo lógico (que nega toda a distinção objetiva entre o verdadeiro e o falso, reduzindo a certeza a um estado puramente subjetivo de adesão a uma relação entre conceitos), de um subjetivismo ético (que atribui o fundamento objetivo das ideias morais à satisfação individual), de um subjetivismo estético (para quem a apreciação da beleza depende apenas do gosto individual, negando a existência de normas objetivas) e de um subjetivismo religioso (para quem as verdades religiosas pertencem à experiência íntima do sujeito, independentes da História e da Revelação). O Subjetivismo surge quase sempre como reação contra os dogmatismos, e, portanto, a seguir a períodos em que predominaram sistemas realistas e metafísicos. O processo subjetivista inicia-se no cogito, ergo sum, de Descartes, passa depois pelo criticismo de Kant (em que as condições a priori imanentes no sujeito aparecem já indispensáveis ao conhecimento), chega à forma perfeita no subjetivismo idealista de Fichte… que faz consistir a realidade toda na atividade criadora do sujeito. O Subjetivismo leva ao ceticismo em gnosiologia, ao utilitarismo em ética, ao capricho e extravagância em arte e a sua última palavra é o solipsismo (redução de toda a realidade ao sujeito pensante). Daqui se conclui que a Atitude filosófica dominadora no existencialismo é caracterizada por esta ideia-base e que esta se reflete em várias questões que permitem aos seus defensores, especialmente a Sartre, atribuírem ao homem a total responsabilidade da sua existência.

   No existencialismo ocupa um importante lugar a colocação e a resolução do problema da liberdade, definida como “escolha” que faz o homem, de uma possibilidade entre outras. Esta “escolha” tem um caráter voluntário e daí a possibilidade de a liberdade isolar o homem da necessidade objetiva das leis. Em última instância, os existencialistas convertem o problema da liberdade num problema puramente ético e entendem a liberdade, segundo o espírito do individualismo extremo, como liberdade do indivíduo em relação à sociedade. Deve dizer-se que o existencialismo exerceu uma influência sensível na Arte e na Literatura dos nossos dias, sobretudo nos intelectuais e artistas alemães e franceses, tais como: Jaspers, Strindberg, Marcel, Van Gog, Sartre, Camus e outros. E as ideias existencialistas apareceram pela primeira vez nos sonetos e elegias do poeta austríaco Rilke (1875‑1926); mais tarde penetraram na arte e na literatura de muitos países. Apareceram de modo muito intenso em Camus com a obra “A Peste” e o “Estrangeiro”, em Simone de Beauvoir em “Todos os homens são mortais” e o “Sangue dos Outros”, em Sartre, com “Os Caminhos da Liberdade”, “O Diabo e o Bom Deus”, a “Náusea” e outras. Na estética existencialista considera-se que deve ser objeto de representação artística a “iluminação da existência”, quer dizer: a vivência irracional do indivíduo e os fenómenos que dão origem a tal iluminação.

   Posta a questão deste modo teórico, façamos agora uma análise prática:

   – O Existencialismo coloca o homem como construtor de si próprio, aliás, nos séculos XIX e XX, Sartre, Heidegger, Marcel, Jacques Maritain e Kierkegaard, em oposição às filosofias essencialistas, negam que a natureza humana, a priori, seria definidora e algo determinista do homem.

   – O Existencialismo afirma a liberdade humana do agir; que o homem é livre de escolher o que quer ser; isto é, o homem é sempre um projeto em construção. O próprio Sartre diz que é importante não se estar amarrado ao próprio passado e não se deixar ancilosar em momentos do tempo. Diz que é na própria vida e nos seus próprios atos que a essência (o homem definido) se revela sinalizado pela existência, por isso a essência vem depois da existência e é constituída por ela. Sartre afirma que o homem está condenado a ser livre e como pessoa livre ele procurará um sentido para a sua vida. Entretanto todo o sentido transporta valor e relação. O valor como qualidade e a relação como convivência e proximidade.

   – Portanto, há que resolver o problema da nossa vida, interpretando o que somos como essência vital e forma humana e experimentando as situações na sua relação de sentido e perfeição de significado – é isso que lhe dá a dimensão de proximidade. Experimentando as situações numa relação de possibilidade sem acreditar que é preciso viver a qualquer preço porque as situações nos pertencem!...

   – Além disso, a existência humana tem sentido mesmo até nas situações absurdas; e estas não nos pertencem por destino – são quadros transitórios de uma realidade em definição.

   Vejamos o que afirmamos, com o seguinte exemplo:

   – Albert Camus no Mito de Sísifo, diz-nos que “os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha, de onde a pedra caía de novo em consequência do seu peso”. Tinham pensado, com alguma razão, que não há trabalho mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.

   (…)

   Este mito é trágico porque o seu herói é consciente. Onde estaria, com efeito, a sua tortura se a cada passo a esperança de conseguir o ajudasse? O operário de hoje trabalha todos os dias da sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo, mas só é trágico nos raros momentos em que ele se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão da sua miserável condição: é nela que pensa durante a sua descida. A clarividência que devia fazer o seu tormento consome ao mesmo tempo a sua vitória – o que não é o mesmo com o homem porque desconhece a extensão da sua vida.

   – É, no entanto, perante situações de impotência que o homem tende a desagregar-se dos seus valores; sobretudo do valor da dignidade e da vontade pela expansão no diferente e temporalmente novo. É o absurdo que ganha neste caso significado, porque define a condição humana, mas o homem para além de poder enfrentar o absurdo – confrontando-o, tem ainda a possibilidade de assumir o fenómeno do absurdo, como vitória sobre a tragédia total do destino, é que o absurdo encerra-se nos limites temporais da existência concreta da realidade e só tem significado como absurdo, porque o homem o potencia enquanto o trabalha, mas o homem como projeto é sinal de uma iluminação que não é castradora, antes é expressão de uma ordem cujos contornos não se esgotam no homem como realidade concreta – se é um ser de carne e osso, é também capaz de ressurgir numa aparição permanente.

   – O homem não é um ser finito e limitado; qualquer limitação que lhe seja imposta, se não surgir como esforço de planificação e expansão, tenderá a ser integrada e dominada de modo natural pelo poder da vida humana.

   – Por outro lado, a esperança de conseguir não tem que forçosamente estar situada fora do homem – se assim for, estamos a dar razão ao pensamento racional que vê a realidade, incluindo o homem, apenas como objeto; como algo alheio ao homem. Ora, sendo assim, qual a importância em conseguir, se nada muda no homem? Penso que o conseguir começa muito antes da realização, esta é apenas a meta para a meta seguinte; muito antes de se atingir os limites é necessário acreditar no percurso. O homem não é um projeto planificado, é um projeto projetado cujas imagens para serem vistas precisam da “iluminação existencial”, e tal iluminação nasce dentro do homem.

   – É necessário acreditar que não vivemos para viver, vivemos para ser – e esta possibilidade exige que se tenha como preocupação viver-se para o ser, embora seja muito mais difícil do que o viver-se pela esperança do conseguir-se!... Viver só para conseguir é viver-se numa condição reflexa e não na finalidade absoluta do ser. Entendo o estado absoluto do ser como estado de condição infinita, e este alcança-se pela elevação até ao que é absolutamente elevado e que não pode ser condição só da nossa vontade – o trabalho realiza a possibilidade do ser se o trabalho como conseguido o realizar também.

   – Ora, admitirmos que a nossa vida só terá maior significado pelo sentimento de potência ou capacidade de conseguir-se, é guindarmo-nos a comportamentos pessoais e às vezes egoísticos; é acreditar, sem crítica, na atitude existencialista. Não acreditar que a liberdade de escolha absolutamente incondicionada possa ser a liberdade que o homem quer, e não a liberdade que tem, é cometer um grande erro:

   – Haverá maior mistério e graça esplendorosa que a exaltação pela vida do que em cada dia desperta em nós?

   – Haverá maior fascínio que um homem adormecer a pensar no dia seguinte e a saborear o que lhe foi mostrado no dia anterior, que viu definitivamente ou que só no que lhe foi possível? Não podemos ser sempre amantes, nem ver o mundo em todas as manifestações, mas podemos delirar de sonho!...

   Não são as situações-limite que nos devem preocupar, são os limites das situações e a forma como eles nos são impostos que devem constituir a nossa preocupação. Porque onde desperta a exaltação, mora a vida; mas não mora o que queremos, se o que queremos não for o que podemos. O poder das capacidades e o poder de ser capaz são formas de poder que sustentam e elevam o ser até aos limites possíveis, mesmo os limites da absoluta incompreensão do absurdo. Acredito que a essência domina nos limites que a existência torna capaz, mas não vejo nenhuma sombra possível na aparência do objeto se este for imanência de uma fonte de luz.