Instantes de Movimento e Vida / Instants of Movement and Life
Instantes de Movimento e Vida
Macedo Teixeira
Fixara da agenda os assuntos a tratar naquele dia, abrira sem ansiedade o seu computador e lera seletivamente as mensagens que entretanto chegaram à sua caixa de correio. Passara rapidamente os olhos pelas notícias dos jornais diários, sublinhara os acontecimentos mais importantes e preparara-se um pouco melhor para sair até ao primeiro local donde habitualmente entrava para, entre o sabor de uma xícara de café, dar azo aos primeiros desabafos sociais; o proprietário do café era um homem simpático e gostava da asserção das coisas da bola, principalmente do seu clube desportivo, de que era um grande fã.
Nestes gestos de cordialidade e de registo social, verificava-se uma espécie de interlúdio para os Instantes da composição de mais um dia e que, nos acontecimentos mais gerais, se previa complexo e sempre algo imprevisível.
Assumia-se numa mistura de ingredientes plasmada de movimento e vida, que com o intercalar dos diversos trechos sociais se tornava na origem de uma composição complexa a ser narrada pela história da pegada humana.
Ataviara-se melhor e com um aprumo mais rigoroso descera até à garagem do seu andar para pegar no seu automóvel de cor preta e já usado mas muito limpo, e ainda com uma aparência de sinal bastante positivo; o automóvel não era apenas o seu meio de transporte, também representava um pouco do valor económico da sua riqueza conseguida na honra e dignidade do trabalho.
Naquele dia o café não estava tão cheio como de costume, era um tempo de férias escolares e a escola que ficava próxima, apesar de ser um lugar para os mais pequeninos, dava-lhe uma garantia de maior trabalho, não só os pais das crianças como também funcionários e professores acorriam durante esse período formando a maior parte das vezes uma enchente de pessoas.
Mesmo assim, aquele homem que servia no café de forma lesta e atenciosa estava com um ar sorridente para todos os que iam chegando, quer para ocuparem as mesas, quer para ficarem de pé pregados no balcão durante um tempo que não se alongava para além do saborear o paladar aconchegante que tem em Portugal uma xícara de café.
Fizera o mesmo, cumprimentara e sorrira de igual modo para os presentes, havia entre ambos uma amizade gerada pela convivência que depressa se estendia num ambiente de carinho, mesmo aos mais estranhos; o ambiente social urbano será certamente um pouco diferente daquele que decorre de uma matriz de envolvência campesina, é de crer que só o ato de tomar café se apresenta como uma realidade de sentido transversal, in actu.
Naquele dia o espaço, que estava mais vazio do que o habitual, não lhe seria vantajoso para aligeirar o momento da saída. Não dispunha de grande satisfação nem de grande tempo para poder tagarelar sobre as realidades mais simples ou então complexas pelas confusões muitas vezes reinantes em cada situação, como são as dos encontros desportivos e dos resultados do futebol, que na maior parte das vezes são sentidos apenas como expressão do resultado da vitória, do resultado do neutro ou do resultado da derrota, numa atividade social desportiva que acima de tudo deverá ter como finalidade a convivência entre pessoas, o seu recreio e o seu lazer.
De qualquer forma, mesmo assim, esta será sempre uma realidade agradável e não terá em nenhuma situação, por muito complicada que seja, nada de grave ou de tamanha insatisfação que não possa ser compensada por outras realidades sociais; não será como a realidade da fome e da miséria humanas, que destroem e matam a vida sem lhes darem nenhuma compensação nem lhes permitirem qualquer retorno.
Sem demonstrar desencanto nem dar sinal de tédio, despedira-se com um “Até à próxima”, misturando-se entre os demais nas despedidas agradáveis e de bom senso; há nestes lugares e nestes locais de natureza rural uma certa simbiose na amizade, que fraquejará no seu encanto quando se esquecem os pormenores da simpatia, do respeito e da elegância na conduta; o ser humano aqui torna-se mais transparente.
Entrara no carro e com delicadeza mantivera por alguns segundos o motor a trabalhar sereno e, sem pressa, assinalara depois o pisca na direção a seguir e pusera-se a caminho. Com o rádio ligado em tom suave, deixara-se embalar levemente por uma linda canção a que, sem grande força, não resistira a trautear na intermitência alguns dos versos da melodia.
Entretanto começara a pensar na primeira coisa que deveria tratar naquele dia, a situação em que se encontrava não era nada agradável e daí evidenciar alguma perturbação no seu ânimo. Precisava de encontrar o gerente do banco a quem ia recorrer a um empréstimo, necessitava que este se mantivesse atencioso e humano para lhe conceder um pedido de crédito, em situações especiais de idade, pois tinha uma prestação global vencida no tribunal da casa de habitação que comprara, ainda como inquilino e que, numa razão inesperada e bastante posterior, pois no momento da sua promessa de compra acreditara que não teria de ir até uma situação daquelas e já tão avançado na idade para o crédito à habitação, pois por razões de incompreensão e de injustiça de algumas pessoas, levaram na contenda a que o caso fosse resolvido sem prévio conhecimento do inquilino nos termos da Justiça por venda em hasta pública no Tribunal da Comarca.
Necessitava de encontrar naquele momento alguém que compreendesse a aflição, que confiasse na honra e na seriedade da pessoa e estivesse disposto a correr algum risco aparente perante a administração do banco no entendimento que poderiam fazer da sua competência e zelo na defesa do dinheiro da instituição.
Como se procurasse no movimento a resposta que procurava, olhara desinteressadamente para as realidades que avistara naqueles instantes, uma mulher com uma criança ao colo anunciando um quadro de maternidade que lhe lembrara a mãe quando caminhara com ele a gritar para pedir socorro perante a gravidade do ferimento que lhe abrira a água fervente quando era ainda pequenino e a sua mãe dormitava sobre a mesa. Lembrara-se de que ela fora buscar forças sem saber onde para sulcar as águas que, alvoroçadas, naquele dia de inverno corriam barrentas e enchiam com uma força medonha o carreiro que a mãe, com ele a gemer de dor e abraçados na tragédia, tivera de percorrer até à primeira povoação.
Um pouco mais adiante, reparara num enorme camião carregado de troncos de madeira que rasgava a estrada sem piedade na alegria expressiva do condutor, que parecia segurar o volante como se este fosse a rédea de um cavalo que teria de domar num certo tempo e entre uma certa distância; aquele homem dera-lhe força e coragem para acelerar a velocidade e ir sem tibieza ao encontro de um pouco de felicidade no dinheiro que procurava e na casa que passaria a ser definitivamente sua; tornara-se de repente um jovem repleto de loucura e de sonho.
Na azáfama do caminho a percorrer misturara a emoção com alguma lucidez; sentira-se turvo por instantes, mas depressa fora acordado por um taxista que procurava na distância alguém para transportar, sabe-se lá quem! Talvez uma pessoa como eu, que procurasse naquele instante os sonhos, mesmo que não pudesse revelá-los por não lhe conhecer rigorosamente a origem: uma casa, um carro, um curso para um filho, um emprego para a filha ou, simplesmente, que o levasse até um lugar sagrado onde pudesse encontrar a paz para uma desavença havida no seu lar.
Entrara no banco possuído de uma coragem e de uma força que jamais certamente algum gerente sentira; decidido, fora expedito na explicação do que pretendia, e ao cabo de pouco tempo o gerente estava a colocar-lhe condições de pegar ou largar. Respirara fundo, ouvira a sua mulher e lembrara-se num ímpeto de surpresa de que o que lhe acontecera não fora senão mais um acontecimento para o pôr à prova perante outras circunstâncias ainda mais difíceis.
Aquela mulher que segurava a criança ao colo não era nenhuma gigante, mas parecia ter uma força que não emanava da sua doçura; era a vida agreste que pulsava nela e naquela ocasião.
O condutor não era um domador de cavalos, mas encarnava a luta da natureza para conseguir os seus fins.
O taxista não era intolerante; naquele momento era o guia que, em certos desencantos da vida, vai buscar dentro da alma um dito de espírito para alegrar na solidão humana ou no corpo por um grito de buzina para acordar aquele que adormece desencantado pelo peso do sofrimento e da amargura nos caminhos ásperos da vida.
Assim somos os seres humanos, e em cada instante que vivemos há um movimento e um acaso a experimentarem a nossa vida.
Instants of Movement and Life
Macedo Teixeira
He had retained in his memory the affairs to handle that day, he had opened without anxiety his computer and had read selectively the messages that meanwhile arrived to his mailbox. He had passed the eyes quickly over the news of daily newspapers, he had highlighted the most important happenings and had prepared himself a little better to go out to the first local where he usually entered to, among the taste of a cup of coffee, give occasion for the first social reliefs; the owner of the café was a sympathetic man and liked the assertion of football things, especially of his favorite club, of which he was a great fan.
With these gestures of cordiality and of social record, it had occurred a kind of interlude for the Instants of the composition of one more day and that, in the more general happenings, predicted itself as complex and always somewhat unpredictable.
He had assumed himself in a mixture of ingredients molded of movement and life, which with the intercalation of several social intervals was becoming the origin of a complex composition to be narrated by the history of human footprint.
He dressed up better and with a more rigorous straightness had descended to the garage of his floor to take his automobile of black color and already used but very clean, and even with an appearance of a very positive sign; the automobile was not only his way of transport, but it also represented a bit of the economic value of his wealth achieved by the honor and dignity of work.
On that day the café was not so full as usual, it was a time of school vacations, and the school that was near, despite being a place for the more little ones, gave him a guarantee of greater work, not only the children’s parents, but also the employees and teachers came in haste during that period forming most of the times a crowd.
Even so, that man who served in the café in a nimble and attentive manner was with a smiling air for all those who were arriving, whether to occupy the tables or to stand firm at the counter during a time that did not lengthen beyond the relish of the cozy flavor that has in Portugal a cup of coffee.
He had done the same, had saluted and had smiled in the same way to the persons present, there was between both a friendship generated by the acquaintanceship that soon extended in an atmosphere of fondness, even to the most strangers; the urban social environment will certainly be a little different than that which results from a matrix of campestral context, it is of believing that only the act of taking coffee presents itself as a reality of transversal meaning, in actu.
On that day, the space, which was emptier than usual, would not be advantageous to quicken the exit moment. He had not much satisfaction nor much time so that he could chatter about the simples realities or otherwise complex by the many times prevalent confusions in each situation, as are those of sporting events and of soccer results, which most of the time are felt only as an expression of the result of victory, of the result of the neutral or of the result of defeat, in a social sporting activity that above all should have as purpose the acquaintanceship between people, their recreation and their leisure.
Anyway, even so, this will always be a pleasant reality and that will not have in any situation, however much complicated it may be, nothing grave or of such dissatisfaction that could not be compensated by other social realities; it will not be as the reality of human hunger and misery, which destroy and kill life without giving them any compensation nor allowing them any return.
Without showing disenchantment nor giving a sign of tedium, he had bid farewell with a “See you later”, mixing with the rest on the pleasant farewells and of good sense; there is in these places and in these sites of rural nature a certain symbiosis in friendship, which will weaken in its enchantment when we forget the details of affection, of respect and of elegance in conduct; the human being becomes here more transparent.
He had entered in the car and with delicacy he had kept the engine working serene and, without hurry, he had signalized after the turn signal to the direction to go and had set out. With the radio on in smooth tone, he had let himself to lightly soothe by a beautiful song which, without great strength, he had not resisted to sing in the intermittence some of the verses of the melody.
Meanwhile he had begun to think about the first thing he had to deal with that day, the situation in which he found himself was not pleasurable, hence it showed some disturbance in his spirits. He needed to find the bank manager to whom he was turning to a loan, he needed that this remained attentive and human to grant him a credit application, in special situations of age, since he had a global installment due in court of the dwelling house he had bought, still as a tenant and that, in an unexpected and quite posterior reason, for at the moment of his purchase promise he had believed that he would not have to go to a situation of those and already so advanced in years to home credit, since for reasons of incomprehension and of injustice of some people, they led in the contention to the case being solved without previous knowledge of the tenant in the terms of Justice by public auction in the District Court.
He needed to find at that moment someone who comprehended the affliction, who trusted in the honor and in the seriousness of the person and was willing to take some apparent risk in presence of the bank administration in the understanding that they could make of his competence and zeal in the defense of the institution money.
As if he looked for in the movement the answer he was looking for, de had looked disinterestedly to the realities he had sighted at those instants, a women carrying a child in her arms announcing a picture of motherhood that had reminded him the mother when she had walked with him screaming for help before the seriousness of the wound that opened him the boiling water when he was still a little one and his mother dozed over the table. He had remembered that she had drawn strength without knowing from where to cleave the water that, flurried, on that winter day ran clayish and filled with a dreadful force the footpath that the mother, with him groaning with pain and hugged in the tragedy, had to cover to the first village.
A little further on, he had noticed a huge truck loaded of logs of wood that was speeding mercilessly through the road in the expressive joy of the driver, who seemed to hold the wheel as if it was the rein of a horse he would have to tame in a certain time and in a certain distance; that man had given strength and courage to accelerate the velocity and to go without lukewarmness to meet a bit of happiness in the money he was searching for and in the house that would come to be definitely his; he had suddenly become a young man full of folly and dream.
In the bustle of the road to cover, he had mixed the emotion with some lucidity; he had felt himself bewildered for a moment, but had soon been awakened by a taxi driver who sought in the distance someone to transport, God knows who! Maybe a person like me, who sought at that moment the dreams, even if they could not reveal them because of not knowing rigorously its origin: a house, a car, a degree course for a son, a job for the daughter or, simply, someone who sought to take them to a sacred place where they could find peace for a disagreement occurred in their home.
He had entered the bank possessed by a courage and by a strength that certainly no bank manager had ever felt; decided, he had been expeditious in the explanation of what he pretended, and after awhile the manager was presenting him conditions of take it or leave it. He had breathed deeply, had listened to his wife and had remembered in an impetus of surprise that what had happened to him had not been nothing but one more happening to put him to the test in the face of other even more difficult circumstances.
That woman who held the child in her arms was no giant, but she seemed to have a strength that did not emanate from her sweetness; it was the rustic life that pulsed in her and on that occasion.
The driver was no horse-breaker, but he incarnated the fight of nature to achieve his purposes.
The taxi driver was not intolerant; at that moment he was the guide who, in certain disenchantments of life, goes for inside his soul a spirit saying to in human solitude or in the body for a honk to awake that who falls asleep disenchanted by the weight of suffering and sorrow on the harsh paths of life.
Like this we are, the human beings, and at each moment we live in there is a movement and a chance experiencing our life.