Breve Noção e Validade da História

15-03-2013 15:49

Breve Noção e Validade da História

Macedo Teixeira

    História é uma palavra que significa, simplesmente, investigação ou inquérito. Heródoto emprega este termo na sua obra, e representa já uma revolução literária.

   A história surge pela inconciliação dos povos, e por isso é a história “o conhecimento do passado humano”. É necessário apreender as ações dos humanos; compreender as razões da sua atuação, como o efetivaram e quais os fatores que desencadearam essa ação.

   As forças vivas são as molas da história. São origem e referente do progresso e desenvolvimento cognitivo. Uma ação cada vez mais complexa e por isso mais instável. Uma inconciliação constante, com raízes no mundo mitológico, sobre o qual o pensador grego, narrando determinados feitos das divindades, se esforça por explicar a inconciliação dos próprios deuses (Marduk e Tiamate). Uma inconciliação humanizada num mundo ainda embrionário a uma inteligibilidade do real humano.

   Encontrámo-nos, então, na Pólis-cidade-estado e berço da democracia, com uma estrutura social, política e económica em vias de desenvolvimento. Aqui se elegeram os sete sábios para estabelecerem com sabedoria a conciliação entre os homens. O reconhecimento e desenvolvimento interativo entre a ordenação civil pela lei escrita (nomoi) e a justificação racional das leis universais da physis (natureza).

   A verdadeira história começa aqui. A história do filósofo, do pensador; ou simplesmente a história do homem. Esse arauto da “verdade” que prima pela sua defesa na conciliação difícil e ingrata da sociedade humana.

   A história é, então, uma biografia dos grandes homens que enganosamente movimenta o passado do conhecimento, mas que compreensivelmente perturba o presente na conjetura antecipadora do futuro. Demócrito afirmou ser o mundo formado por átomos, e a história da ciência registou esse facto. Einstein descobriu 2500 anos depois a equivalência entre a energia e a massa, a fórmula da energia (E=mc2), que aplicada ao urânio, material energético, produziu o instrumento que flagelou a humanidade ao pôr-se termo a uma guerra com ele (Bomba Atómica). Será um absurdo admitir que Demócrito possa ter influenciado Einstein?

   Que saberíamos nós de Copérnico, Newton, Galileu, Einstein e tantos outros, se não fosse a história das ciências que nos falasse deles?

   Apesar de na Terra acontecer tudo quanto nela pode acontecer, em parte de acordo com a situação e as necessidades do lugar, em parte de acordo com as circunstâncias e as condições da época, em parte de acordo com o caráter, nato ou adquirido dos povos; uma verdade histórica é verdade aqui e em toda a parte. No entanto, pela impossibilidade da história definir em termos absolutos, nem possuir provas de experimentabilidade como as ciências ditas exatas, vê-se na maioria das vezes essa verdade por variadíssimos ângulos, o que para uns será uma imagem distorcida, e para outros a verdadeira realidade.

   Obedecendo a um espaço, a um “tempo” e a uma sensibilidade pessoal, a história apresenta-se como uma condição natural à apreensão do vivo. O vivo é presente, e o presente não poderá ser dissociado do passado.

   Neste sentido, e para que não se transforme num cemitério do passado; mas antes, num grande armazém de factos espoliados, necessário se torna que reconstrua esses factos, obliterando progressivamente tudo quanto indignificou o ato humano e tornando vivo no presente com a força iluminadora do ato que eleva, pouco a pouco, o homem na sua caminhada histórica.

   É um movimento de continuidade recorrente, vivido no labor prestimoso do homem que se associa a uma evolução histórica; sendo este a própria evolução reconhecida. Necessitará, certamente, reunir todos os conhecimentos adquiridos, prestigiando e defendendo os valores de índole sublime e melhorando a casta que o tempo inevitavelmente fomenta.

   Assim encontra a história a sua validade, porque se torna um auxiliar pertinente na decisão humana. Sobretudo, no julgamento hipotético e consequente previsibilidade futura. Reconheçamos, contudo, ser a validade contingente, isto é, a história não poderá atingir uma validade em termos absolutos, sendo por isso difícil distinguir uma validade universal.

   Ao historiar a última guerra mundial, o historiador partiu de premissas que em si são passíveis de diferentes leituras.

   Significa, assim, que para uns historiadores poderá ter um maior significado as causas da bomba atómica, mas para outros podem ser as razões políticas do tal invento, as mais importantes. Ambas as preocupações são válidas, mas para cada um e não na globalidade; por isso ela é relativa.

   Importa, porém, ressalvar o que ela tem de significado valioso. E, entre outros, parece residir como distinto; o sistema aberto em que se desenvolve: uma verdade problematizada pode levar à descoberta de causas que a priori seriam consideradas comuns. Por outro lado, encontra aqui também o seu apogeu, isto é, fundamentados os factos em dados reais por recorrência a épocas anteriores, o historiador pode libertar-se de todo o imobilismo que o simples registo de acontecimentos proporciona.

   Percorrer desta forma os caminhos da cientificidade na procura de soluções com vista à melhoria no relacionamento entre os povos. Constitui esta abertura, a luminosidade da dialética na prossecução da descoberta de novas verdades.

   A validade da história está em conformidade com a validade dos documentos em que o historiador se baseou; sem se esquecer a dificuldade resultante da falta de originalidade.

   Importa, contudo, admitir a coerência na verdade histórica para que se reflita de uma forma profunda e cuidada, e se possam encontrar soluções adequadas às questionações coletivas. Será possível entender a história, não como ciência do passado humano, mas como ciência do presente num “tempo futuro”. A História deixará, porventura, de ser o campo para o fanatismo ideológico, mas sim para a reflexão teoricamente possível vetorizando o conhecimento adquirido no presente e projetando-o no futuro para evitar erros que custaram elevados preços no passado.

   O valor da história estará no ensinamento que esta pode e deve dar ao homem, e este, por certo, será muito elevado. Outro fator de grande valor na ciência histórica é a fidelidade. Fidelidade que deverá ser defendida com fatores irrefutáveis; pese embora, reconhecermos a subjetividade de tais leituras, sendo conveniente por isso a compilação dos factos se efetuar de forma a constituir uma prova de maior rigidez e não serem flexíveis a várias interpretações. Para isso, é preciso que o rigor histórico se encontre perante uma crítica que funcione como fiel ao serviço da verdade dos factos. Tal fidelidade que será sempre posta em dúvida, enquanto a história for infiel a si própria; enquanto permitir uma crítica indisponível e enquanto não for capaz de constituir-se como verdadeira consciência, autodeterminada; separando a crítica vulgar da crítica profunda, o peso ideológico do peso profundo da cientificidade, a utopia da realidade. Deve combater profundamente e de forma inflexível toda a especulação. Pôr um “basta” de teoria e passar a uma prática incontestável e baseada no modelo histórico-comparativo; auxiliada por um laboratório epistemológico e que não terá, com certeza, uma tão longa demora como foi a da civilização grega até ao período de Leopold Von Rank, para obter a sua verdadeira dimensão científica. Tal caminho implicará, para além de outros esforços, a interiorização dos factos passados: comparando-os com o presente e elaborando leis que permitam iluminar o espírito, carregado de fanatismo ideológico.

   A história deverá desmistificar variantes que redundem num futuro ziguezagueante para a humanidade. Deverá funcionar como a fisiologia, pois se a fisiologia estuda o funcionamento dos órgãos e de certo modo estabelece leis orgânicas, também a história deverá estudar os factos à luz da fisiologia; elaborar leis factuais convincentes e sempre necessariamente coerentes. Deverá ser humanista e estar sempre atenta às convulsões da humanidade, não lhe travar o desenvolvimento pelo empenhamento em obstáculos, mas, antes de tudo, deverá orientar essas convulsões para um caminho sem incidentes; puro à perfectibilidade. Deve combater a utopia que lhe quebra o próprio vigor. Procurar conciliar posições divergentes num convergente dinamismo e um franco equilíbrio entre os povos. Verdade, que servirá, com certeza, de elo de fortificação para o encontro entre os homens que hoje se hostilizam; porque não encontram o ponto comum para a felicidade terrena, mas compreenderão amanhã que nada significará a sua ausência constante, sendo muito mais doloroso o lagrimar na despedida.

   A história não poderá ser imparcial, mas deverá tomar uma posição científica. Deverá trabalhar em estreita colaboração com as outras ciências; citando o particular a desenvolver-se num rumo à globalidade. O desenvolvimento da história há de pressupor, naturalmente, o seu desenvolvimento do seu estado de origem. Considerando assim, o desnivelamento entre os estados de origem, estaremos mergulhados numa impossibilidade de homogeneização do pensamento histórico; provavelmente até numa deficiente compreensão da plenitude vivencial humana. Compreender a história pela autenticidade e realismo pragmático é uma exigência que se coloca ao sujeito. É, também, o corolário de todo o esforço dirigido pelo cientista em qualquer ramo do saber e, fundamentalmente, o próprio conhecimento científico.

   Os valores da história tornam-se, assim, fontes para beber ciência, quer porque permitem a compreensão do estado atual, como sendo a inserção dinâmica do passado na evolução contínua e permanente, quer porque, embora instável ou repugnante, eles conferem ao sujeito a leitura do acontecimento e consequente reflexão. Pode, ainda, inferir-se daí a oportunidade de uma vivência individual e coletiva, experimentando na sensatez e no equilíbrio relacional; compreender, a partir do conhecimento, todo o ato irrefletido e suas consequências; libertando o espírito da automatização inexorável dos eventos.