Um Rosto Estranho / A Strange Face
Um Rosto Estranho
Macedo Teixeira
Às vezes penso que é por gostarmos muito de uma coisa que a inventamos quando não a vemos; ou a sonhamos quando não a temos. Às vezes também acredito que necessitamos destes exercícios para superar muitas das carências que temos e muitas das dificuldades que encontramos no nosso caminho. Mas às vezes, também somos surpreendidos porque não podemos inventar mais o que de facto já existe na realidade e depois se torna uma recordação estável.
São considerações a propósito do rosto de uma qualquer multidão, do corpo compacto que adquire e da beleza que pode ter na duração fugaz ou na duração do tempo preferido; porventura temporário e sem repetição, mas esteticamente belo e inesquecível em certas ocasiões.
Até há pouco tempo, ainda não tinha completamente formada a minha consciência acerca deste assunto e desejava com alguma curiosidade, conhecer qual o efeito que tinha sobre nós uma grande multidão quando caminhando distraída pela margem de um qualquer espaço: orla marítima, praias, marinas, etc. Desejava conhecer porque tinha a impressão de que seria mais uma pessoa que se juntava aos outros, faria número, mas seria um estranho no meio da estranha multidão. Tinha em certos casos o sentimento de uma necessidade de estar sempre distante de grandes grupos e muito mais de grandes multidões. Um sentimento que tinha fundamento nas grandes tragédias que têm ocorrido na base de grandes ajuntamentos e que enfurecidos destroem e matam a vida social que emerge afinal das grandes multidões. Um sentimento que me perturbava porque surgia em contradição com a lógica natural da vida humana! O Mundo tem tantas pessoas; milhões de milhões que dormem, trabalham e acordam nesta “bola giratória”, e como seria possível que só pudessem ter a razão do ato de conviver socialmente em grandes grupos, com objetivos prévios, mas que mesmo assim, em alguns casos descambassem para a tragédia: fosse a dos estádios desportivos, das greves ou das manifestações de rua? Apesar de tudo, interrogava-me se esse conviver emocional não poderia ser diferente noutras multidões em que as pessoas, ao conviverem em grandes grupos, sem objetivos rígidos e sem motivações determinadas pelas expectativas da sua revolta ou do prazer de sair vencedores em qualquer jogo, se neste caso não receberiam qualquer emoção diferente que não fosse apenas a emoção de caminhar com os outros quando com objetivos definidos, se não seria afinal emocionalmente diferente quando no caso dum modo espontâneo ao caminhar pela marina de um porto, ou pela praia ou por outro lugar.
De facto, interroguei-me muitas vezes sobre a inexistência de tais possibilidades, tanto mais que ouvira falar de “calor humano”, mas associava esse sentimento mais ao exibicionismo e amostragem do que a uma qualquer energia humana que fosse boa e soubesse bem! Também este sentimento tinha fundamento numa certa amostragem exagerada de aspetos que são da intimidade humana e exigem um respeito e retidão, que são essenciais à vida de cada um: os concertos de rock têm sido belas emoções sociais, mas em certos casos bastante exageradas.
Um sentimento, afinal, de admiração pelas grandes multidões mas ao mesmo tempo de rejeição por grande parte dos traços sociais e estéticos que elas evidenciam. Uma impressão que continuo a manter em relação aos exageros e às suas tragédias, mas que hoje nutro e compenso com uma outra impressão que gravei na memória e que resultou de um momento fugaz que vivi entre dois tempos; tempos que me integraram num prazer indemonstrável e numa sensação aproximada, sobre as multidões em serenidade e silêncio e sobre o vazio emocional e belo que fica nos lugares e em nós, quando as multidões se separam para outros destinos e quando os lugares ficam desertos.
Bela emoção que vivi em dois tempos; o tempo de chegada à multidão espontânea e o tempo de partida, mas acima de tudo, bela expressão aquela que nos dá o tempo em que nos encontramos reunidos e em que as multidões dão forma a um rosto e a uma impressão, que apesar de durar pouco parece durar para sempre. Que pena, que as multidões não possam mais vezes constituir-se como tal, conviverem serenas e sem grandes exageros e nunca com tragédias. Deus tem razão, criou o Homem e multiplicou-o no maior problema divino, pois a maioria dos seres humanos não sabe que ao viver em conjunto se vive mais feliz e isso é natural e não temos que inventar.
A Strange Face
Macedo Teixeira
Sometimes I think that is because we like a lot of something that we invent it when we don’t see it; or we dream of it when we don’t have it. Sometimes I also believe that we need these exercises to overcome many of the needs we have and many of the difficulties we find on our way. But sometimes we are also surprised because we cannot invent more what in fact already exists in reality and becomes later a stable remembrance.
These are considerations regarding the face of any multitude, the compact body it gets and the beauty it may have on the fugacious duration or on the duration of the preferred time; perchance temporary and without repetition, but aesthetically beautiful and unforgettable on certain occasions.
Until some time ago, I still had not my consciousness completely formed about this matter and I wished, with some curiosity, to know what was the effect that a multitude had on us when it walks distracted by the margin of any space: seaside, beaches, marinas, etc. I wished to know because I had the impression that I would be one more person that would join with others, make number, but would be a strange in the middle of the strange multitude. I had, in certain cases, the feeling of a need to be always distant from large groups and even more from large multitudes. A feeling that had a basis on great tragedies that have been happened on the basis of great reunions and that furious destroy and kill the social life that emerges, after all, from large multitudes. A feeling that upset me, because it arose in contradiction with the natural logic of human life! The world has so many people; billions that sleep, work and awake on this “spinning ball”, and how it would be possible that they only could have the reason of the act of living socially together in large groups, with previous objectives but that, nevertheless, in some cases, they degenerate into tragedy: whether that of sportive stadiums, that of the strikes or that of street manifestations? Nonetheless, I wondered if that emotional living together could not be different in other multitudes in which people, living together in large groups, without rigid objectives and without determined motivations by the expectations of their revolt or of the pleasure of becoming winners in any game, if in this case they would not receive any different emotion that would not be only the emotion of walking with the others when with determined objectives, if would not be, after all, emotionally different when in case of a spontaneous walk by the marina of a port, or by the beach, or by other place?
In fact, I wondered many times about the non-existence of such possibilities, especially that I had listened about “human warmth”, but I associated that feeling more to exhibitionism than to any human energy that was good and felt well! Also this feeling had basis on a certain exaggerative exhibition of aspects that are of human intimacy and demand respect and rightness, that are essential to each one’s life: rock concerts have been beautiful social emotions, but in certain cases very exaggerative.
A feeling, after all, of admiration for the large multitudes but at the same time of rejection due to the great part of social and aesthetic traits they evidence. An impression that I continue to maintain regarding the exaggerations and their tragedies, but that today I cherish and compensate with another impression that I recorded and that resulted from a fugacious moment I lived between two times; times that integrated me in an indemonstrable pleasure and in an approximate sensation, about the multitudes in serenity and silence and about the emotional and beautiful void that remains in the places and in us, when the multitudes split for other destinations and when the places become desert.
Beautiful emotion I lived in two times; the time of arrival at the spontaneous multitude and the time of departure, but above all, beautiful expression that gives us the time in which we are together and in which the multitudes give form to a face and to an impression, that although lasts little, it seems to last forever. What a pity that multitudes cannot constitute more times as such, live together serene and without great exaggerations and never with tragedies. God is right, He created Man and multiplied him in the biggest divine problem, since the majority of human beings does not know that by living together one lives happier, and that is natural and we do not have to invent.