Sementes da Verdade

03-10-2012 10:45

 

 

SEMENTES DA VERDADE

SEGUNDA PARTE

DA POLÍTICA PARA A MORAL

II

Só por ignorância podemos afirmar o erro

 

    Para compreendermos melhor como estas realidades desfocam e deslustram a vida humana, comecemos por englobar estes valores num valor conceitual designante de “imprecisão”, e, logo constatamos que não se ajusta com a Verdade por esta se encontrar no rigor da Vida.

    A “imprecisão” tem sido ao longo da evolução do homem e do conhecimento o ornamento mais complexo dos diversos actos; aliás, pode dizer-se que tem desenvolvido relacionamentos, comunicações e grupos e que apesar da sua vulgaridade tem confundido e influenciado a vida dos povos.

    Aceite-se, contudo, que ela resulta da ignorância involuntária, sem sentido de identidade da Vida com a Verdade, e que se vive a Vida nas suas manifestações possíveis deixando-se, por vezes, que esta realize o que nos é imediatamente impossível realizar. Reconhecendo a “imprecisão” por estas razões e com esta função, só nos resta aperfeiçoar no rigor e na exigência, pois ao aproximarmo-nos pelos actos, a Vida antecipará o rigor que nos falta.

    Mas, o mesmo já não se poderá dizer daqueles que fazem da falta de rigor a pedra de toque da Vida, pois ser impreciso é não ser, nestas condições, intencionalmente verdadeiro. Mais grave, ainda, se a falta de rigor for o “despiste”, e muito mais grave se for ”má fé”; então o homem não gravita na periferia da Verdade, mas na nulidade da mentira e na condenação por pecado.

    Julguemos, agora, a aplicação da falta de rigor na palavra e como quando viciada fere o rigor da Vida. Bem sabemos que a “imprecisão” tem acompanhado o homem desde que batalhou pela expressividade da palavra e foi capaz de simbolizar os desejos, vontades e sonhos. Mas sabemos, também, que os códigos de honra, consubstanciados nas palavras, foram empenhando o sujeito nos juramentos solenes, na família, na igreja, no trabalho ou no convívio, qualquer que fosse a ordem de razões que motivasse o homem. A palavra presidia nos acordos e desacordos, na honra e na solenidade dos actos e pensamentos que, garantidos pelas palavras, porventura imprecisas, pela honra e solenidade dos encontros, fundamentava e credenciava os intervenientes que em consequência disso, cada um se aperfeiçoava na exigência do compromisso com a Verdade; diga-se, a exemplo, que em certos casos um aperto de mão era suficiente para corresponder ao acordo e cumprimento do mais complexo contrato legal.

    Afirmamos que era e reportamo-nos ao passado, comparando historicamente a aplicação da prática e da essência da palavra; sendo com profunda preocupação que chamamos a atenção para o fortalecimento desta mais nobre característica humana, sem a qual não haverá nobreza na lei nem liberdade no juramento para a sua aplicação prática.

    A palavra que empenha a honra e o homem, não tem por patrono o saudosismo do passado, pois ela é sempre presente contínuo. A Verdade sente-se na honra de quem a penhora nos acordos ou desacordos, e até ao seu total resgate, a honra de cada um garante a partilha e o compromisso que cada um dos actos exige.

   Pode ter-se um conhecimento simples, imediato e de senso-comum; desconhecer-se teoremas matemáticos e variáveis económicas; a Verdade é honrada pelo homem que com ela vive e por ela luta; pois só o homem pode afirmar ou negar a Verdade através das palavras e dos actos; mas, só o homem também, pode sentir a tranquilidade da consciência ou viver em constante apelo à salvação. E é tão grave negarmos a Verdade sobre uma fórmula matemática ou o posicionamento de um órgão no nosso corpo, como prometermos fidelidade à Vida e tornarmo-nos infiéis.

    Só por ignorância podemos afirmar o erro e até errar, mas, um erro não será nunca justificação para outro do mesmo modo, nem tão-pouco se pode argumentar que a Verdade estará sempre ao nosso serviço, bem pelo contrário: nós é que nascemos para estar ao serviço da Verdade e esta se nos impõe, produzindo estados dolorosos ou nos encaminhando para contendas fatais, quando não lhe somos fiéis ou esmorecemos no trabalho.

    O que fundamenta o erro é a ignorância e o que fundamenta a Verdade è a Sabedoria; e para que vençamos os erros por antecipação, sem experiência ou experiência controlada na sua irradicação, necessitamos de escolaridade permanente que nos desenvolva em todas  as redes motivacionais, que nos permita gravitar nas esferas constitutivas do ser mental e corporal que realizamos desde o nascimento até ao dia final da nossa vida terrena. Sem cortes nem interrupções, apenas as realidades que permitam a evolução da mente  e do corpo, para que possamos distinguir os actos e os fenómenos e guiarmo-nos no Bem com segurança e plenitude das viagens do nosso ser. Só distinguindo bem as nossas motivações de raiz psicológica, biológica ou social e quais as redes que nelas despertam (paixão, violência, evasão, felicidade, bem-estar, liberdade, etc.) nos tornamos eficazes nas respostas e nos libertamos do arrependimento.

    Já em diálogo anterior, reconhecemos serem os códigos de honra os responsáveis na autoridade e no empenhamento do sujeito, em todas as solenidades orais e escritas; actos e pensamentos de que resulta um efeito em cada interveniente no aperfeiçoamento desejado da adequação da palavra à Verdade. Com igual satisfação, poderemos reflectir noutros sinais com igual autoridade do já exposto, como por exemplo: o sinal que corporiza os actos de alimentar, dormir e vestir; reconhecendo, desde já, que para uma análise integrada é-nos exigido considerar outros códigos que vão da edificação da cerimónia à sacralidade dos actos.

    Os códigos culturais diversificados pelo mundo geraram formas e actos de cultura com diferentes opções; prestando-se para o efeito de alimentar, dormir e vestir, as diferentes formas de ritualizar, escolher, posicionar e socializar e a utilização dos diversos utensílios a servir nas cerimónias. Prestando-se também, estas realidades a explicar a diversidade das formas alimentares, dos objectos utilizados, as posições geométricas, às quais se podem associar, prazer, comodidade, conforto e asseio.

    Entretanto, a celebração do acto não reside só na satisfação da carência ou no ritual das formas, nem julgamos ser nesta dimensão acto-forma alimentar, que se realiza o clima existencial da solenidade do momento. Estamos mais de acordo que se realize em resultado das realidades que referimos e que personalizadas na reunião e na intimidade do acto, correspondam à unidade determinada pela forma e pelo acto alimentar; embora ainda se deva destacar como todos progressivamente vamos mudando, desde a vivência das regras do sinal à sua espiritualidade, e como diversamente percorremos os seus fundamentos essenciais ou sagrados.

    Outro acontecimento de igual significado a este, e que confere à Vida o restabelecimento das forças para os exercícios decorrentes da necessária mobilidade e execução, é o acto da forma de dormir. O homem entrega o seu corpo à imobilidade e durante horas mergulha num encontro que vai do leito em que se recolhe até à insensibilidade consciente. Deixa de ouvir, ver, tocar… e através da autonomia e do voluntarismo reflexo do movimento, um voluntarismo mais imperioso e desejado coordena a vida no temporário repouso; e quando o ser humano acorda, encontra-se muito mais forte e capaz de experimentar a Vida em todos os seus naturais e sociais movimentos.

    Importa, agora, referir o maravilhoso funcionamento cerebral e nervoso que interfere e coordena o acto e a forma de dormir, do tempo regular deste e da docilidade que envolve o acto e de todo o mistério que preside na regularização dos sistemas nervosos. O homem ajusta o corpo ao espaço, une-se na intimidade, reduz-se na velocidade dos ciclos cerebrais e, algum tempo depois, desprende sons e movimentos que jamais saberá de si próprio. Conforto, silêncio, segurança são realidades que proporcionam um descanso mais imediato e mais profundo e numa adequação de equilíbrio, se vão reunindo com a consciência tranquila, e sensibilidade tonificada, os músculos e os nervos, órgãos e sentidos e se vão profundamente renovando. Acontecimentos naturais do corpo e do cérebro que entregamos ao espontâneo consciente e do qual partilhamos a nossa alegria, no reconhecimento de não serem só os códigos culturais, responsáveis por tamanho êxito e êxtase; antes, uma intimidade e transcendência que se ritualizam na honra e civilidade do homem. – São realidades naturais do corpo e da alma em que a espontaneidade actua livre e descomprometida pelo homem que se entrega à procura das compensações bio-psíquicas necessários para empreender todas as tarefas que lhe são designadas em cada dia da sua vida.

    No entanto, quando se passa da esfera do quotidiano imediato, do espontâneo e do profundamente natural, ao reflexivo racionalizado e ao transcendente, reconhecemos os actos com reverência e sondamos com mais intimidade, o conforto, o silêncio e a segurança; desejamos restabelecer as forças e, acima de tudo, permanecer na unidade perfeita de todas as realidades. Desejamos que a vida se identifique com a verdade, o conforto com a segurança, a esperança com a fé – dormir como “justos” e actuar com “santos”.

    E, quando se realizam tais desejos, sentimos que o nosso perfil se aproxima do ideal sonhado e afirmado na fé que assim sería. Ninguém é contrário voluntariamente a estes desejos nem aspira de igual modo a realizar tarefas que mais tarde se venha arrepender. Os desvios são na maioria dos casos resultantes dos limites da comparação entre o termos tudo e não termos nada; e, quando o homem tem tudo mas não é tudo, vale pelo que tem e pelo que é; logo, tem vida mas não é vida. Para que o homem valha pelo que tem e pelo que é, tem que ter vida e ser vida em todas as dimensões.

    Ter vida para experimentar, realizar e edificar, ser vida para iluminar, conduzir, ser exemplo e modelo para conduzir em conjunto com todos os demais exemplos e modelos do Universo as diferentes experiências e realizações da Vida e da Verdade.

    Quantos homens nasceram, viveram e morreram, consubstanciados pelo Credo em si mesmos de serem pólos de liberdade? Sempre souberam que eram semelhantes a todos e que os caminhos percorridos por alguns dos seus pares seriam fáceis de detectar! No entanto recusaram sempre a comparação como instrumento, e com a mesma facilidade de quem é afortunado aceita ser “superior”, aceitaram as condições da pobreza material pelo quinhão da liberdade – tiveram vida e foram vida.

    Os limites da comparação só devem exercer-se nos modelos de Bem, Virtude e Verdade, sem que para o efeito se tenha de rejeitar todos os valores patrimoniais ou se admitir a radicalidade de que o rico é “lobo” e o pobre é “cordeiro”. Todo o homem, quando nos limites da consciência, sabe que as obras materiais ou espirituais de património pessoal e privado ou público e colectivo, reflectem a tranquilidade do servir e fundamentam os degraus dos sonhos em realização. E sabe também, que ao encontrar-se nestes patamares da consciência, algo onírica e entusiástica, realiza e edifica a vida nas múltiplas cambiantes e sem se desviar dos caminhos da verdade. Mas, quando o homem se desvanece na excessiva comparação entre o ser inferior e superior obtém, em resultado da radicalidade de ambas as concepções, a dificuldade de distinguir o que são os modelos do Bem, e distinguir que caminhos o conduzem à eternidade de qualquer obra.

    Os limites da consciência e os limites da comparação devem misturar-se nos horizontes do Bem, da Verdade do homem, criar e desenvolver as obras que o eternalizam e transformá-lo em espectador do que constrói e edifica; nelas se revê e se engrandece, se entusiasma e se edifica em todas as suas características. Nos horizontes do Bem da Verdade e da Virtude, o Homem encontra planos para a consciência sonhadora e entusiástica que o desenvolvem e activam na vontade do servir em todas as tarefas que os planos da consciência definirem. Por eles, romperá com o egocentrismo totalitário e dominador e se abrirá à conquista de um lugar no reino universal.

    Por eles Verdade e Vida tornam-se pólos inseparáveis da mesma unidade da consciência. A vida humana não é confundida com o movimento incaracterístico nem desviada dos objectivos que a realizam, e a Verdade torna-se em tudo quanto esteja ao lado da autovalorização, da aprendizagem e elevação nas categorias do saber, no engrandecimento do homem pelo fascínio do poder da criação pessoal e colectiva. Verdade e Vida orientam a consciência na rectidão dos pensamentos e acções e exercem no homem estados de voluntarismo no servir que, qualquer que seja a tarefa e por mais difícil que se torne a sua realização, este jamais se importará com o tempo ou com o salário, a não ser com a sua realização e com os estímulos que a sociedade escolhe para poder alimentar-se e viver condignamente.

    Em cada uma das tarefas realizadas, o homem vai descobrindo que o contrário destas acções desfoca a Liberdade e vivência da mesma unidade que realiza a vida humana na Verdade, e vai descobrindo também, que nascemos para servir a Natureza e não para dela nos servirmos, da mesma maneira que nos servimos dos sapatos para andarmos no dia-a-dia. Ela nos acaricia e nos enleva, nos propicia o sonho e nos suspende em movimentos de eterno encantamento. Somos filhos da Natureza e dela nos servimos em alternância de serviços, e tão relevante é a sua “gratificação” quanto mais expressiva for a nossa abnegação. Não importa particularizarmos as características que definem a vida humana, assim como não importa tentar encontrar o grau de amor estabelecido por cada caso que particularize uma ou outra das características que definem a vida humana, assim como não importa tentar encontrar o grau de amor estabelecido por cada caso que particularize uma ou outra das características: seja a diversidade do amor aos filhos, aos pais, aos nossos semelhantes ou a todos os valores que unificam e solidarizam estas relações. E não importa, porque tanto a Verdade como a Vida não se podem particularizar, nem tomar cada um como resultado separado ou construído à luz do mesmo poder da transformação das matérias, nas diferentes formas instrumentais. Não somos instrumentos de nós próprios, nem da sociedade da mesma maneira que utilizamos os instrumentos técnicos; somos, quando muito, elos de união de uma unidade que se vai descobrindo na complexidade que a potencia, à medida que cada um de nós se vai descobrindo também, como unidade individual servidora de uma finalidade que nos serve e se serve, servindo-nos.

    Quando meditamos na tranquilidade que anuncia a nossa consciência nos actos descomprometidos com qualquer sombra de erro, consentido ou mesmo involuntário, não desejamos enganarmo-nos no que quer que seja e toda a nossa vida se avoluma de limpidez, de satisfação e de ânsia de descobrir as formas de realização e de execução mais eficazes e oportunas, não vá o tempo escassear e as novas ordens não poderem ser satisfeitas. Trabalhamos com canseira e dedicação pela satisfação do salário e pela obediência de serviços; trabalhamos pela expansão existencial e pela plenitude dos caminhos que preparamos para os que nos hão-de suceder para receberem a Luz divina na fixação possível alcançada. Trabalhamos em cada dia da nossa vida terrena pela animação da consciência de que o caminho é de perfeição e a Estrada é a Verdade que se nucleariza em todos os rumos da comunicação e nos diversos domínios corporais e mentais.

    A versatilidade e beleza da comunicação torna-se, em alguns casos, sinónimo de dificuldade na distinção das sucessões temporais que marcam os ritmos estruturais dos fluxos e refluxos nervosos, que se caracterizam desde os sinais mais eufóricos até à debilidade emocional. A diversidade da comunicação corporal e mental exige uma profunda atenção em todos os aspectos, pois só da análise integrada de todos os elementos que afectam a comunicação se poderá descobrir o que está a ser mais relevante e que intenção pessoal ou espontaneidade natural nos está a guiar para a realização dos nossos objectivos, – que, como já se afirmou, não poderão ser contrários à Verdade, ao Bem e à Virtude.

    Mas, se em alguns casos, se torna dificultada a missão de compreender e descobrir os sinais da intencionalidade pessoal ou naturalmente espontânea, noutros casos isso é perfeitamente evidente e, em todos os actos de comunicação – que tenham como motivação interior a afirmação do empenho em tudo quanto defina e caracterize a vida humana na dignidade e verdadeiro carácter de abnegação e serviços, – compreender e descobrir os sinais resultantes da actividade da vida em todas as afecções, especialmente a vontade de ir mais além e tornar-se mais perfeito no servir, torna-se-nos fácil e desejável a permanência. São exigências da vida humana que não dependem da socialização comprometida, nem do voluntarismo forçado, sendo antes, o resultado da energia psíquica e biológica e que depende da acção da Verdade e dos valores que a unificam, não sendo, para o efeito, necessárias opções ou intencionalidades deliberadas.

    Esta energia criadora impulsiona o homem no dia-a-dia na execução das tarefas que lhe são acomettidas, sem temor nem despeito – mesmo que porventura não se sinta socialmente reconhecido, porque nada existe de pior para o estrangulamento da personalidade do homem, que trabalhar contrariado ou obedecer a quem não sabe mandar; e, não é por não ser reconhecido pela sociedade que o homem se debilita – enfraquece-se, sim, por fazer aquilo que não quer, que não gosta e que contraria e destrói os princípios que fundamentam a vida humana e seu engrandecimento.

    Ao realizar-se na grandeza da verdade e nas diferentes opções na capacidade de criar, o homem apoia-se na vitalidade e desenvolve-a no crescimento e expansão da sua personalidade e sociabilidade. Ter que se apoiar no que não gosta, nem deseja experimentar, é abrir as portas à negação da vida e aos direitos da felicidade, da salvação e da elevação à ordem divina.

    

Autor: Macedo Teixeira; Obra: Sementes da Verdade; Fotocomposição e Impressão: ROCHA/Artes Gráficas, L.da; Julho de 1992; págs. 45 a 51.