Sementes da Verdade

21-09-2012 15:40

SEGUNDA PARTE

DA POLÍTICA PARA A MORAL

I

A verdade como Ser e Existir


    A Verdade é, entre outras realidades visíveis e ocultas, energia vital que se sente, se vive, se explica, se conhece e se entende. O entendimento da Verdade coloca-se na sideração do ser humano, sem que possamos mais ser nós o guia existencial dos nossos sentidos, dos nossos desejos e dos nossos apelos. Subimos e descemos pelo fio de Luz que nos anima e nos guia até onde a possibilidade da programação humana não tem mais sentido nem a explicação total é jamais possível. Tudo se perde na exterioridade do Homem e se ganha no núcleo da consciência, de que não sonhamos – porque tudo é vivo e se transforma na Ordem inexorável da vitalidade humano-cósmica, sem que possamos desprender uma única amarra de cada elemento espiritual que anima a matéria em extensão e vive em cada sucessão espácio-temporal das realidades do Universo que nos são permitidas em cada uma das raridades da nossa vida: terrestre, aquática, aérea e sideral. E enquanto não se processa a acomodação biológica e mental, julgamo-nos perdidos para nós próprios; apeamo-nos na vida física, para nos certificarmos de que não estamos desligados de tudo, e confiantes na Natureza que nos anima, nos estabiliza e equilibra; deixamo-nos guiar até aos domínios da transcendência, onde os sulcos do sonho se vivem no mistério divino.

   Homem e Cosmos, se experienciam e se integram, sem perda de qualquer valor entiativo, sem reconhecimento ascendente de nenhuma das dimensões e sem quaisquer misturas qualitativas. Em cada abertura do ser humano ao Mistério da transcendência, a luminosidade divina orienta e coordena a elevação humana nas diferentes escaladas proporcionando o êxtase em cada econtro e revelação, afago e meditação.

   Sem regresso nem antecipação, vive-se a Verdade na verdade, em cada uma das ciclaridades e aguardando que a revelação da Vida Universal se vá tornando concêntrica em cada uma das jornadas da nossa vida.

   Entre os seres humanos que duvidam da existência da Verdade, e os que questionam como encontrá-la, poderemos dizer que se inscreve na existência de cada grupo, dois modos de vida diferentes. Assim, nos primeiros a realidade não se presta à pergunta e ignoram voluntariamente a Verdade ao deixarem-se guiar e exceder a força dos sentidos no imediatismo da satisfação e do prazer, ao criarem carências mentais e orgânicas e ao deixarem-se submeter aos impulsos biogénicos no deslizar da realização até estados pré-racionais. Não se esforçam por reflectir no sentido da autonomia e individualidade que corresponde, como é sabido pela maioria, à aceleração da humanização e consequentemente, não aprendem a coordenar os critérios de satisfação para adquirirem equilíbrio face às necessidades; permanecendo desta maneira, no voluntarismo da ignorância e num grande atraso no desenvolvimento mental e corporal.

   O homem que permanece na linearidade dos impulsos básicos e não procura conhecer como coordenar os sentidos nos exercícios vitais qualitativos, justifica toddas as suas insatisfações pelas carências naturais ou sociais. Enquanto que o homem que procura os fundamentos dos desejos mais elementares, disciplinando-se mental e corporalmente, notabiliza-se individual ou colectivamente, independente da formação académica ou da cultura adquirida.

   A abundância dos valores materiais, alimentares ou monetários exercem, nos mais facilmente seduzíveis, domínios de servidão que lhes retiram as faculdades de apelo para o entendimento; julgando-se cada um poder dominar por aquilo que possui, quando afinal fica acorrentado e possuído pela força em que se apoia para dominar.

   Todo o homem é dominado, quando não entende o que possui; e, salvo raras excepções, a humanidade adulta, na sua maioria, já foi acometida de laivos de superioridade ao comparar os seus valores materiais: casas, carros, hotéis, roupas ou dinheiro; aliás aceitável, quando acontecimento humano emotivo ou passageiro, e aceitável ainda, se tivermos em consideração que só nós, seres humanos, nos voltamos para nós próprios para nos reconhecermos como semelhantes ou como diferentes. Aceitável, por sermos humanos e sermos facilmente acalorados pelas invenções e construções que vamos conseguindo realizar pelo conhecimento e obtendo pela compra. Mas reprovável, quando o que compramos ou o que construímos e inventamos serve de justificativo à nossa superioridade; só nos é consentido sermos juízes de auto – valorização ou de valorização do outro, em reconhecimento de quem somos e nunca do que temos; porque nunca teremos nada se não formos aquilo que todo o Homem deve ser. Aquilo que nos caracteriza como seres humanos e nos torna superiores aos seres irracionais que nos são imediatamente mais próximos; tudo o que nos define e distingue em seres humanos dotados de razão e de vontade, rigor e de tolerância, amando e ajudando todos quantos de nós precisam. Se algum objecto despertar em nós um sentimento de dominação e não a alegria natural de se possuir mais um valor, por ventura diferente e mais útil, então, é porque como homens não nos reconhecemos como superiores e os objectos substituem a nossa civilidade e humanidade.

   Pode parecer, de imediato, que não devemos valorizar os objectos e valorizarmo-nos só a nós; porque só nós valemos e os objectos valem o que queremos que valham. Não é isso que se pretende dizer, antes colocar-se a questão, de existir algum valor objectivo superior ao homem? E demonstrar que os objectos pelas suas características qualitativas e quantitativas, tamanho, forma, côr, odor, movimento, utilidade, conforto e outras – exercem na pessoa um fascínio dominador que lhe retira, quando indisponível e desatento no controle, a versatilidade dos juízos de apreciação e o colocam como alvo da tendência à auto – exposição e ao exercício exterior; perdendo-se como centro de si e tornando-se objecto dos objectos.

   Já, entretanto, pelo exercício do conhecimento e entendimento da Verdade, se o homem não se deixar relativizar pelos valores objectivos; por muito esplendorosos que sejam, situar-se-á sempre acima da materialidade em coroação constante pela espiritualidade e em desenvolvimento permanente da sua intelectualidade; permitindo-lhe em simultâneo a escalada ao pico máximo da Verdade, acariciando-se nela e robustecendo-se para novas dimensões da Vida; sem que para o efeito tenha necessidade absoluta de aí permanecer, podendo regressar ao pico mínimo, sempre que para tal o corpo e a alma assim o exijam.

   Situam-se nesta ordem todos quantos vão questionando como saber em que consiste e como descobrir a Verdade, que, pelo facto de não se deixarem relativizar pelos valores materiais e procurarem descobrir a sua função, entendem na espiritualidade o poder que garante e fundamenta a ordem material; sendo gratificados em cada dádiva surpreendente da Verdade que os intima imanentemente a jamais deixarem de lhe seguir o rasto. E sem perturbação ou embaraço, esperam a experiência de novas vivências, pois do vivido a certeza da Verdade lhes garante a serenidade na espera, e o sonho na recordação do já experienciado os fortifica e incentiva à projecção do fluxo interiorizado pelo tempo necessário a novas dimensões desta luminosa vivência. Assim se vão preparando para chegarem ao cimo da esfera divina, onde obterão as respostas a algumas das perguntas, especialmente em que consiste a Verdade e como se distingue da aparência. E uma vez aqui chegados, descobrem que não há separação entre os que ignoram a existência da Verdade, os que questionam em que consiste e os que ascendem e descendem através dela, meditando e recebendo o afago que necessitam. O que há são vivências na Verdade diferentes, periféricas, laterais e nucleares e que se caracterizam pela sequência de exposição em instáveis e confusas, em serenas e estáveis e em êxtase e beatitude; e que é fascinante o trajecto que vai da estabilidade à beatitude ou vice – versa, ao contrário do trajecto que vai da instabilidade à confusão, ou vice – versa também.

   Pela mesma ordem de razões lógicas, podemos afirmar que aquele que gravita corporal e mentalmente na periferia da Verdade não deixa de comungar nesta, mesmo o que vive na instabilidade e confusão; outra coisa não poderia ser, pois desfocar – se–ía a Verdade, da Vida humana, que se caracteriza pela sensibilidade e entendimento; e não se teria em conta que em nós despertam primeiramente os sentidos: tacto, olfacto, visão, audição e paladar, e só depois se desenvolvem os meios que facultam o entendimento. Mas, sendo assim, também não podemos deixar de ter em atenção a necessidade de coordenarmos a nossa vida sensitiva e intelectiva para que nela se edifiquem correctamente as faculdades de conhecimento, recolha, contenção ou evasão a fim de se realizarem as sínteses unitárias mais elementares da vida humana e social; e, no acto de valorizar os objectos o exercermos pelo entendimento da sua função e não pela sua escolha entre seres humanos; só assim se descobrirá que o Cosmos, a Vida e o Homem, são dimensões de uma mesma infinita Unidade, em que as coisas são bens úteis, não comparáveis ao Homem, que este é poderoso não por vir a ter coisas, mas por se tornar no ser que as constrói e que as utiliza, prescindindo delas sempre que seja necessário e não o podendo fazer da mesma maneira com os seus semelhantes, em actos e em pensamentos.

   Sabemos das nossas mais simples experiências que os sentidos se ajustam à variação  e que o intelecto exerce os seus domínios na invariabilidade e na permanência, ou seja, o que ouvimos ou vemos, sentimos, provamos ou cheiramos são realidades diversas que captamos pelos sentidos e que pela sua natureza complexa dos diferentes elementos, nos confunde e nos induz em erro; e, que o intelecto quando supera a diversidade sensível, liberta-nos da confusão, aglutina a unidade dos fenómenos nas diferentes unidades elementares, colocando-nos na repetibilidade e na regularidade do entendimento de qualquer realidade micro ou macrocósmica.

   Ora, todo aquele que se deixa conduzir pelos impulsos sensitivos, sem se esforçar por encontrar a estabilidade orgânica, mental e psíquica, descentra-se do seu corpo na coordenação e selecção de desejos e rapidamente é impelido na experimentação de todos os apelos que o motivam; fica bloqueado na vitalidade intelectual necessária nas respostas às solicitações biológicas corporais e sociais. Sendo nesta inversão das funções vitais, do comando e coordenação, que o homem mais facilmente confunde Verdade e Vida e se motiva de forma inconsciente para a gravidade dos excessos corporais e sociais e com a total reprovação do reconhecimento intelectual, torna-se desviado, desregrado e auto – destruidor de si mesmo.

 

Autor: Macedo Teixeira; Obra: Sementes da Verdade; Fotocomposição e Impressão: ROCHA/Artes Gráficas, L.da; Julho de 1992; págs. 39 a 44.