Sementes da Verdade

08-09-2012 22:06

                                                 

                                           SEMENTES DA VERDADE    

                                                            V                           

                                                 A Emoção e seu significado

 

     Toda a emoção decorre de leis gerais e biológicas, sociais e psicológicas e a sua compreensão absoluta torna-se impossível, em casos específicos ou casos mais gerais: “ O coração tem razões que a razão desconhece”. Blaise Pascal. É numa ambiência diversa de vontades, que racionalmente se ajuíza e se orienta a emoção que nos impulsos da vida nos projecta para a aventura, rumo ao desconhecido. A emoção agiganta-nos na realização dos progressivos desejos e atormenta-nos na impossibilidade da sua satisfação.

     Tantas vezes, pouco tempo após nos termos sentado frente a um écran de televisão ou de cinema, os acontecimentos quotidianos ou as cenas em representação nos comovem tanto que as lágrimas são difíceis de conter. E, quantas vezes cenas teatrais ou polifonia de vozes, nos excitam de tal forma que exclamamos em troar de palmas e veemência de apelo – “Bravo”! “Bravo!”, “Bis!”, “Bis”, – pedindo mais, porque não nos saciaram na “fome” que o acto em nós criou.

     Mas quantas vezes, também, uns dias depois, e de tanto se falar ou ouvir, aquilo que nos perturbou em extremo passa a tornar-se enfadonho e a deixar de ser desejado  –sendo em casos especiais, até irritante.

     Julgamos que, apesar de todos os lampejos de emoção despertarem em nós sensações agradáveis, devemos estar muito atentos ao encanto e desencanto vivido em cada momento do quotidiano, mesmo no que se refere a representações do imaginável, quanto mais no que se refere ao real! Devemos estar atentos e disponíveis a tudo quanto bonifique a nossa alegria e entusiasmo, mas reflectir na proporcionalidade da vida sensitiva, para não sermos arrastados para o exagero resultante da desatenção sobre o que é real e o que não passa de manifestação imaginável e efémera.

     Só desta maneira, nos é possível sentir a materialização do tempo de uma forma saudável e desejável – de superação rápida e eficaz e em transformação de desejos mais ricos e mais deslumbrantes.

     Refira-se os aspectos positivos da emoção humana, sobretudo a emoção criadora, que reflecte e objectiva a arte na natureza, a ética criativa e a ciência representativa. Por estas actividades criativas – a Arte, a Ética e a Ciência – vão-nos possibilitando a comparação das riquezas emotivas e exigindo que em cada um dos quadros momentâneos da criação, e que despertam em nós estados de um certo sentimento de “fome”, saibamos distinguir pela experiência e pela reflexão que se tratam de elementos criativos e culturais não só materiais e espirituais mas também criadores de formas vitais, tão necessárias ao ser humano como outras formas de vida que experimentamos com julgamentos mais imperativos.

     A emoção necessária e natural vai aumentando na proporcionalidade directa ao complexo “alimento” e diminuindo na proporcionalidade inversa em relação ao “tempo de repetição”, ou seja, quanto mais ampla for a associação e prolongado o “alimento” mais notória será a “fome” e, quanto mais seguido e “repetido” for o tempo que a gerou menos esta se nota e o decrescimento de desejos aumenta. Ficam a perenidade das obras e os tempos que as tornaram possíveis, mas a emoção que as consubstanciou em vida histórica, espontânea e temporária parte no encalço dos momentos que geram “sonolência e fartura” para os combater por intermédio das novas mentes humanas, incentivando-as para criações dinâmicas e actuais em novas “fomes” e controladas excitações.

     Compreende-se, desta maneira, que esta insaciável “fome”, mais de diversidade que de permanência, tem tanto de plenitude e glória como de ardil e sofrimento, e porque assim é, ela exerce autoridade só entendível pela razão e justificável pelas experiências e mudanças. Que se diga, então, que a vida humana é resultante no desenvolvimento de escola sem mestre único, mas com as mesmas regras e princípios de aprendizagem para a possibilidade de “se viver para viver” e contrariar e rejeitar a aparência de “se viver por viver”.

     Compreender-se-á melhor, quando em temáticas posteriores se analisar a relação que se estabelece entre a Escola da Vida e a vida da escola – o que será semelhante, procurar compreender as leis gerais biológicas e sociais, que regem a vida da natureza humana, em condições mais regulares ou mais aleatórias e como se processam os ajustamentos da emoção – quer quando a aprendizagem é essencialmente na vida pela escola ou quando é de raíz na escola da vida.

     Fiquemos por agora, na complexidade que envolve a acção da emoção nos aspectos criativos e qual a função desta na natureza humana individual e social.

     A emoção natural opõe-se à possibilidade da vida humana totalmente racionalizada, rejeita a frieza de relações menos ou mais prolongadas, de consequente previsibilidade ou de formação espontânea; rejeita em especial, a automação do grupo e do Homem.

     Toda a emoção decorre de leis gerais biológicas, sociais e psicológicas e a sua compreensão absoluta torna-se impossível, em casos específicos ou casos mais gerais: “o coração tem razões que a razão desconhece”. Blaise Pascal. A emoção é criadora, mesmo na ordem antitética – directamente em relação ao desejo “fome” e inversamente em relação ao “tempo de repetição” – pela primeira, ascende-se à tendência de superação para melhor; pela segunda, retorna-se pela saudade e reactualiza-se o vivido pela versatilidade do pensamento. Por ambas se retoma toda a grandeza e fulgor dos sentimentos e da sua representação criativa; retoma-se no tempo a perenidade do valor da cultura humana, da ordem, da modernidade e da evocação recordativa do que foi mais valioso e digno, do combate ao que despertou “sonolência” e “acomodação”, do que foi indigno e descaracterizado de humanismo; retoma-se o sentimento pátrio, rácico e nacional, que deslumbra e fascina cada povo, cada família e cada nação. Somos filhos de um mesmo Universo, nele nos caracterizamos pela diversidade e riqueza de opções; desde que saibamos aplicar os princípios eternos e imutáveis da humanidade, da vida e da sociedade, respeitamos a nossa grandeza e mantemos a nossa identidade e identificação matriz; somos livres, diferentes e capazes de assimilarmos o mundo com todos os seus valores, sem nos perdermos nem apagarmos a chancela da nossa civilidade.

     A emoção é geradora de estados morais bons e reprováveis, suspende a ponte entre as lágrimas e o sorriso, motiva o encanto e desencanto e quando o ser humano na plenitude da sua existência é fissurado na alma, desnorteado na razão e adormecido em consequência, estende-se ao ilimite, suspende-se dos desafios e na crença na aventura e descoberta, provoca, inconscientemente, a aceleração de desejos fatais e vingativos, cria falsos caminhos em que se perde como caminhante e perde a consciência na certeza divina, na incerteza moral e na incerteza do que não tem e de desejar o que não deve.

     Não que as lágrimas sejam só resposta ao erro ou à dor, ou o sorriso resposta à confiança ou alegria, pois se assim fosse – porque haveríamos de sorrir, chorando e chorando, aumentar a dor ou alargando o campo de referência do erro? Para serenidade biológica e neuronal? Não será tão necessário tal comportamento mental e existem outras respostas naturais para refrescarem a alma e serenarem o corpo.

     As lágrimas devem, acima de tudo, reflectir um estado mais profundo de amor, de gratitude e solene reconhecimento. Se assim não for acontecendo na evolução das sociedades, então a evolução que estivermos construindo não estará orientada numa aprendizagem correcta nem num conhecimento feliz – continuando as lágrimas a ser resposta à continuidade, na incerteza de cada nascimento para uma vida feliz, e a morte o findar dos tormentos e ingratidão terrenos e a justificação para esquecimento e rejeição de semelhança.

     Só pode haver total identidade entre as sucessivas “viagens” do ser humano na sua materialidade e espiritualidade, quando as consciências se libertarem da possessiva exclusividade e da tentação de justificar um erro com outro erro – cada erro que se cometa só pode servir de degrau e não de apoio para novo erro. A emoção coexiste numa dualidade de relações e num compromisso de equilíbrio natural entre a “fome” de desejo em desejo, de plenitude reversível e instável e o “tempo de repetição” que nos faz, aparentemente, retornar por um sentimento de permanência ou um esforço de rejeição. Uma dualidade dinâmica, poligonal e quase irresistível ao seu domínio – o que a torna uma das mais significativas dimensões do mistério da vida humana, em toda a sua globalidade, e por esta transcendência, vive-se na necessidade de um esforço constante de atenção e disponibilidade e em simultâneo, um voluntarismo na aprendizagem da coordenação das excitações sensitivas com a racionalidade de atitudes e compreensão da natureza humana no pulsar da vida social e colectiva.

     A humanidade não tem sido predominantemente caracterizada por orientações pedagógicas dos exercícios das afecções do corpo e da alma e, pode afirmar-se sem risco de insensatez, que tem havido uma inversão da funcionalidade e utilidade destas substâncias naturais originando um desequilíbrio da consciência dos estados emocionais – traduzidos na continuidade de paixões cegas e doentios actos comparativos, em função de falsas alternativas e desenvolvidas em nome do progresso, da modernidade e das carências de diversa ordem.

     Ninguém pode ser indiferente à arte e à expressão do espirito nas suas mais diversas cambiantes. Nenhum pintor, músico ou escultor pode dar o que nele abunda se não sentir que a sua mensagem é lida e interpretada.

     Não pode haver alegria se não houver emoção, e a arte reflecte as vibrações insondáveis pela razão no interior do Homem. Quando Einstein, o mais brilhante cientista da física atómica, ouvia o arquear de um violino ou o gemer de um piano, corria em sua direcção e deslumbrado se esquecia da conferência marcada para aquela hora; ficava hipnotizado pela magia da música e pelo sentimento jubilar da harmonia dos sons e da sua transcendência.

     Certamente que cada um de nós já sentiu também, no cimo de uma montanha, na queda de uma massa de água ou no quebrar frenético das ondas do oceano, uma estranha musicalidade percorrendo as profundidades da nossa mente e nos transportando em fascínio aos insondáveis paraísos do Infinito.

     O Universo expressa-se nos mais variados sons, pelo choque dos elementos no movimento de trabalho sempre constante e sem canseiras, e intima-nos em chamamento à elevação e ao êxtase, sorrindo com galhardia ao ver-nos tombar de cansaço. Disse Galileu galilei que “A Natureza é um Livro aberto e está escrito em caracteres matemáticos – triângulos, círculos e circunferências, rectângulos e quadrados, e pela capacidade de os combinar o homem pode interpretar os seus segredos e tornar menos penoso o trabalho de objectivação e conhecimento”. Mas, neste Livro pensamos estarem escritas também, fusas, colcheias e as mais deslumbrantes paisagens que a retina do pintor indica à memória para a ampliação pictural ou a pena do escritor o intima a percorrer o papel com rabiscos teimosos, pelo encanto dominador dos quadros do quotidiano das pessoas e das coisas.

     Este Livro não poderia tratar só da raíz física dos corpos – obliterando os elementos do espírito que se combinam nas notas do dó ou do ré, na policromia das cores, no esculpir das pedras, da madeira ou dos metais – para brotar de dentro em actos de simbolismo os valores que as pessoas anseiam tornar reais: a pomba branca como símbolo da paz e que se deseja se torne autêntica.

     A cultura do espírito ultrapassa os esquemas interpretativos da razão, e isso nos basta para compreender a genialidade de tantos vultos humanos que passaram por este mundo, que engrandeceram a História e motivaram-nos, como semelhantes, a não os esquecer e a acreditar na Vida, não como algo útil mas como algo transcendente e belo. Aos quatro anos, Mozart aprendia cravo e aos cinco acompanhava ao violino seu pai que fora seu único professor e que escrevia no coração o que era impossível consciencializar pela razão. Mozart, seu filho, escrevia notas musicais quando ainda não sabia as letras do alfabeto. E com a mesma alegria que sentimos ao falar deste prodígio, poderemos enunciar outros como Verdi, Beethoven, Bach, Chopin, Leonardo Da Vinci, Jean Racins, Rafael Sanzio, etc. Prodígios estes que, na música, na pintura, no teatro, na ciência, na escultura, se notabilizaram de igual modo e nos abriram as portas do conhecimento e da criação e nos fazem sentir felizes por estarmos no Universo.

     A cultura do espírito não se pode explicar como se sente e a palavra torna-se incompleta ao descrever os sentimentos da alma; e pode compreender-se qualquer arabesco pictórico despessoalizado da criação do autor, mas a intensidade da emoção gerada pelas imagens como resultado da criação, essa é que não se pode despessoalizar nem do autor nem de nós próprios, mesmo reconhecendo que as leituras do público e do artista são diferentes e, por isso, diferentes também as intensidades de ambas as emoções. E o que caracteriza a verdade para esta dimensão cultural, caracteriza todas as outras dimensões; assim, façamos a aprendizagem e em qualquer leitura e experiência cultural a exerçamos sem tibieza nem rodeios artificiosos.

     A emoção é, entre outros, factor vital da energia criativa, que pulsa em todo o ser humano, e nenhuma manifestação artística pode ser sentida em toda a sua profundidade sem nos descentrarmos da racionalidade e nos deixarmos guiar pelos sentimentos e sensibilidade criativa, estes nos descobrirão no que desconhecemos e descobrirão os laços que unificam a obra produzida. Nenhuma criação artística, singular ou superior pode ser esgrimida no vazio ou encavernar-se na fobia.

     É preciso que a mensagem e a fonte que lhe deu luz sejam resgatadas, levá-las mais longe e engastá-las nas mentes duráveis e divulgadoras, para que estas produzam desenvolvimento e libertem o autor da unilateralidade e da solidão. Todo o artista ama o que produz, tem consciência da diferença e não teme a crítica; por isso ele ama muito o público, porque lhe diz a verdade quando o escuta, o lê, o vê ou o sente – no travo sentido ou no esplendor acrescentado. O público ajuda a criar no artista o desejo pelo excelso das suas obras, a reencontrar a glória que lhe deu força e é testemunha no seu pelejar contra o caos das sensações – para tornar objectivo o sentimento da alma e realizar a vontade do espírito.

     O público e o artista cumprem a distância entre o símbolo e o real – serão tanto mais autênticos quanto mais próximos se encontrarem.

     São tantos os homens e as mulheres que ignoram a existência da Verdade; tão poucos os que questionam em que consiste e como descobri-la, e muitíssimo poucos os que ascendem e descendem através dela, em contemplação serena e meditação de afago. Os primeiros encontram-se no domínio dos sentimentos, do efémero e do fugaz; na periferia da Verdade, onde os feixes de luz se entrelaçam e o corporal se confunde com o mental. Os segundos mobilizam os sentidos, disciplinam a vontade; realizam os desejos do conhecimento e do saber, no aperfeiçoamento dos caminhos que hão-de conduzir à Estrada da Verdade. Os que se encontram no terceiro grupo fizeram essa caminhada e iniciaram outra em ascendência, horizontalidade e descendência, em singularidade e em simultâneo; em total rejeição de cada uma das  referências de estabilidade e na convicção do núcleo da luz da Verdade estar mais além, e a fortaleza da irradiação se fortalecer na maior aproximação, revelada pelo sentimento das coisas, seres vivos e inanimados; no conhecimento das leis que integram os elementos no Universo multidimensional e o entendimento cósmico, no pulsar eterno da realidade deslumbrante em cada revelação, em que às vezes um só elemento é suficiente para se captar como se distende até à Unidade consubstanciadora da matéria e do espírito, e que cada um dos seres humanos, que disfrutam de tais revelações, se projectam extasiados em beatitude e serenidade na realização das sínteses biológicas e psicológicas, que o corpo e o espírito cósmico em contiguidade de leis distende e contrai a espiritualidade universal. Neste estado de entendimento, nada se antecipa ou se recua, ascende-se e descende-se através da Verdade e contempla-se serenamente o afago cintilado pela eternidade.

 Autor: Macedo Teixeira; Obra: Sementes da Verdade; Fotocomposição e Impressão: ROCHA/Artes Gráficas, L.da; Julho de 1992; págs. 33 a 38