Sementes da Verdade

31-07-2012 16:08

SEMENTES DA VERDADE

IV

A Alma Social é a alma do povo (1)

 

    Portugal mantém-se, incompreensivelmente, num movimento de desgaste da memória cultural que o tornou em Nação, por não estar a assimilar convenientemente os valores formais, para uma distanciação moderna, no que caracteriza um Estado: independência, voluntarismo e responsabilidade.

   Para a ascensão e ordem de um Estado, como de um ser humano, concorrem globalmente o corpo, a alma e suas características, que se desenvolvem e articulam nas diferentes e complementares lógicas específicas, e que se caracterizam pela sensibilidade, afecto e racionalidade e se dinamizam na vida biológica e social, em garantia de independência e complementaridade, pois, uma vez afectada uma das características, estende-se em simultâneo a afecção às outras.

   Por analogia, e com preocupações de discorrer-se pela sabedoria prática, o que anteriormente se diz pode exemplificar-se da seguinte maneira:

   — O conceito «alma», analogicamente identifica-se com motor; o corpo com carro e razão com condutor; e, compreenda-se, por concepção generativa, o relacionamento formal dos conceitos de alma (dimensão formal abstracta, ideal, sentimental e atemporal...), correspondente aos cidadãos e suas estruturas bio-psicológicas (classes dirigentes e dirigidas) conceito de corpo (dimensão material, visível, orgânica, temporal, histórica...), correspondendo aos sistemas (planeamento, análise e controlo); estruturas básicas aos subsistemas (núcleos e ordens), e por analogia o corpo nestas diferentes dimensões deve associar-se à força e forma material-carro; o conceito de razão (dimensão racional psíquica, faculdades de apreensão e juízos coordenados), correspondente aos governos e governantes, ideologias e compromissos nacionais, colectivos ou personalizados pela maioria, nos diferentes sentidos hierárquicos, direcções e objectivos de coordenação, e por analogia deve identificar-se com força racional e de condução.

   Assim, quando uma das partes é profundamente dilacerada, as outras desgastam‑se por afecção; sendo mais acentuada a infecção no corpo, por ser visível e constituir‑se por elementos simples e movimentos diversificados. O corpo humano e o corpo social, estrutural e sistémico, na sua finitude e temporalidade, deve ser compreendido em todas as suas partes e reconhecido por todos os movimentos que reflectem a sabedoria material na sua especificidade, a qual o distingue e se revela ao nosso intelecto pela funcionalidade dos membros e órgãos. Deve movimentar-se em toda a visibilidade concreta, crescer em proporção e desenvolver-se na harmonia das formas e relações; depreendendo-se estas actividades pela quantificação, pelo juízo de valor e de facto.

   Estas qualidades predicativas permitem-nos concluir da imperfeição do corpo e da necessidade de completar-se pela fundamentação e aperfeiçoamento das sucessivas experiências de aprendizagem, numa pluralidade de instantes de criação, de crescimento e desenvolvimento psico-motriz, concreto-relacional e abstracto-formal; obtendo-se por resultado, riqueza de capacidades de acção, entendimento e controle.

   E, se não se desenvolvem a harmonia de formas e de reIações, no completar do corpo e da sua estabilidade, surge em consequência, resultados de efeito não tão agradável e desejado, como na estabilidade e harmonia, fundamentadas; pois, o corpo como conservador de energias biológicas e psíquicas presta-se a aplicação no que qualitativamente parece ser bom, quando efectivamente não é.

   No entanto, se é mais notório o foco infeccioso no corpo humano ou num Estado, não significa que o perigo deva ser mais valorizado neste que na alma; pois um corpo é mais curável pela materialidade e composição, enquanto a alma, imaterial e espiritual, não é uma coisa ou corpo e, talvez, só as sementes do que já foi realizado ou vivido, purificado e rejuvenescido lhe possam trazer de novo a Beleza, a Alegria, e o gosto de se ser uma vez mais nós, a viver as características motivadoras da alma. Não uma outra alma, mas a activação de actos de criação, de crescimento e desenvolvimento, que permita novamente ao corpo a consciência geral da alma com que o homem nasce; constante como o Universo, não angustiada e dolorida pelas irregularidades na caminhada cometidas, de que as sementes se tornam como tal os frutos que as definem, bons ou maus; eis o que pode acontecer e que a Natureza não pode rejeitar, mas não assume a assunção do erro.

   Os seus constituintes são valores espirituais que a caracterizam na ritualização do tempo, embora no pensamento e na acção, não se verifique uma regularidade tão constante como na ritualização dos ciclos vitais do homem. Estes constituintes espirituais são o guia imaterial que orientam o caminho do ser humano, que se reconhece longo e numa única direcção: a direcção do Universo na escalada até ao etéreo. E é nestes constituintes que o perigo deve ser mais valorizado, pelas razões já evidenciadas, e por serem os átomos de força motriz geradora de luz que ilumina e activa o corpo em todos os exercícios de condução e de poder.

   Ora, quando um carro está em ponto morto gasta combustível para se manter no trabalho do motor, menos, por não se movimentar todo o carro, mas sem os resultados que mais se esperam dele: não se desloca, nem é utilizado nas suas funções mais úteis e, por isso, torna-se um objecto apreciável, mas inútil.

   Portugal e o mundo contemporâneo encontram-se neste ponto crítico; gastam as energias universais humanas e a Liberdade desintegra-se das assimilações que a tornam mais digna, pelo reconhecimento de dela dependerem e por ela desfrutarem das diferentes e diversas opções; pois sem o homem o mundo poderia existir, mas com ele o mundo é diferente, e o Criador de todos os seres e de todas as coisas reconhece‑se em alguns de forma menos estranha. O mundo contemporâneo, no qual nos situamos, não se tem organizado e deslocado no tempo e na história de forma tão perfeita quanto a que já seria possível; sobretudo, deste tempo histórico, em que a partilha dos bens intelectuais e materiais é mais igual e que, em resultado disso, permitiu às nações, e em especial a Portugal, sentimentos e acções menos egocêntricas e mais fraternas; e por não terem sido bem coordenados pela vontade colectiva, pelo desejo individual e pelo compromisso nacional, estão de novo a tornar‑se sentimentos de inseguranca, de individualidade e de segregação pátria.

   As forças vivas de Portugal, em especial as que planificam e coordenam, não têm sido tão aptas na orientação do corpo social, na aprendizagem e execução de todas as experiências de trabalho, para a obtenção de resultados que superem a dependência das paixões pelo efémero e das engrenagens sistémicas exteriores à nossa identidade, que aos poucos vão exigindo mais frieza nas relações e calculismo nos propósitos; para não exagerarmos por antecipação e afirmarmos por certeza, que caminhamos para a concepção continental de sobreposição: os países apropriam-se uns dos outros, mas alguns nunca poderão, nestas condições, andar por si próprios.

   E, por consequência logica, o corpo social oprimirá, porventura involuntariamente; coagirá o homem na busca de soluções que originem a segurança, a independência e o poder; não a universalidade recíproca nem a união fraterna e justa, porque estes princípios, pelas experiências que no mundo contemporâneo os activam, vão conduzir, certamente, a concepções de organização social de sobreposição — alguns homens nunca saberão em que consiste a Liberdade, nem poderão viver como unidades invioláveis e intransmissíveis.

   Os exemplos e os rumos a seguir são indicados pela alma, de um povo ou de um ser humano, compreendidos pela razão e executados pelo corpo. Se uma das partes estiver profundamente dilacerada, não é justo liquidá-la nem é legítimo lateralizar ou ignorar o seu estado, abandonando-a ao resultado natural, em aceitação da incapacidade de voluntariamente ser possível a sua cura e reactivação para os resultados — possíveis e que, no conjunto, resultarão em progresso e desenvolvimento; e, em simultâneo, hão-de acrescentar dinamismo na consciência colectiva do bem de ser livre, diferente e único.

   Urge ensaiar sacrifícios e paciência, na espera de resultados de planificações correctas e propositadas, em princípios que são indestrutíveis e só aparentemente substituíveis; por estes e por estas, encontraremos a independência, o voluntarismo e responsabilidade, sem que para o efeito seja necessário condicionar a liberdade das pessoas ou dos diferentes grupos; condicionar, sim, a liberdade ao esclarecimento e à responsabilidade, ao combate às paixões ideológicas obstinadas, ao combate à descrença na igualdade conforme a responsabilidade e o trabalho, ao combate a tudo quanto favorecer a discriminação humana pela cultura, pelo poder, qualquer que seja o seu suporte, ou pela dominação de qualquer espécie.

   A Democracia é a forma de governação representativa mais perfeita que descobrimos até aos nossos dias; ela há-de permitir encontrar as soluções mais adequadas com os princípios referidos; mas, não tenhamos dúvidas sobre a necessidade de nos expormos ao sacrifício no servir e na dedicação à força que dela emana, para sua manutenção e possibilidade de encontro da alma e do corpo dos povos e das nações e ao mesmo tempo para o encontro das relações pacíficas em todas as condições de natureza pragmática e transcendental.

   Não podemos, nem devemos, caminhar no sentido da união dos Estados enquanto o não fizermos, de maneira mais eficaz, em relação à união do povo, que forma o nosso próprio Estado e, tal união, tem de ser de novo activada pelos valores espirituais que constituem a alma, e que as características desta, bem experimentadas e universalizadas, edificarão o Estado e sua independência, projectando todas as energias para a união fraterna e universal, sem sobreposição ou perda de características.

   A alma social humana alimenta-se de energia pensamental, tal como o motor se alimenta de energia física. O motor desloca na direcção optada pelo condutor, consumindo combustível e consumindo-se em estacionamento ou em circulação. Para carga ou descarga, o consumo de combustível é menor, gasta menos, mas não realiza em pleno as funções para que foi concebido e contraria, involuntariamente, a ordem geral da mecânica. Motor, carro e condutor têm, neste acto, funções semelhantes, mas leis de manutenção diferentes e danos distintos. Para realizar as funções, o motor gasta energia física conveniente, o carro circula nos diferentes sentidos e o condutor dirige-o em todos os actos; se o motor não trabalhar resiste até à destruição das pecas, se o carro não andar, resiste até ao desgaste da sua estrutura, se o condutor não o dirigir em utilização é responsável pela sua inutilidade.

   Através destes factos, reconhece-se uma vez mais que o perigo deve ser mais valorizado na alma e, neste caso na alma social, pois deve-se insistir na sua maior perfeição, estabilidade dos seus valores e fortalecimento dos laços que unificam a energia de que se alimenta.

 

Autor: Macedo Teixeira; Obra: Sementes da Verdade; Fotocomposição e Impressão: ROCHA/Artes Gráficas, L.da; Julho de 1992; págs. 25 a 28.