Sementes da Verdade

31-07-2012 15:57

SEMENTES DA VERDADE

II

A pedagogia intrínseca e Universal com base do Amor-Comum

 

    Acreditamos que a liberdade plena e recta dos actos humanos será possível, se o homem voluntariamente servir as lentes da inteligência, pela luz da aprendizagem e conhecimento, e seguir na procura dos caminhos que conduzem à Verdade. Acreditamos que só a pedagogia intrínseca e universal nos ensina a reconhecer que a vontade tem de se consubstanciar no Amor Comum, livre e independente de qualquer valor que o subestime, o particularize e torne dependente. Só a pedagogia nesta plenitude é capaz de manifestar em cada um de nós a inteira concordância, na tolerância e no ensinamento, no exemplo e na abnegação, na espera e na ajuda, na protecção e na ascese existencial; e sobretudo, manifestar-nos a capacidade de nos auto-suspendermos na função do servir, sem câmbio pessoal nem sentimento de regozijo exagerado, mesmo perante a consciência total do direito e do dever.

   Tudo deve acontecer naturalmente e por força da interiorização dessa aprendizagem, e em especial, com base nos exemplos de raiz. Pois só por ela nos podemos planificar e motivar para o que é superior e digno, o natural, o universal e humanitário; e rejeitar os actos inferiores, que o irreflectido, o pessoal e o despropositado, muitas vezes derivantes da percepção descoordenada dos estímulos nas diferentes ordens, nos projecta.

   Esta formação caracterizada por informações livres, sãs e correctas, torna o homem superior e intima-o num compromisso constante no servir com dedicação, desinteresse e altivez, desejos reveladores da nobreza do caracter humano. Tornam‑no, a partir deste estado de consciência, em todas as condutas, constante, regular e empreendedor da serenidade, nas diferentes caminhadas, na revelação e prova da vida, individual e colectiva e no que caracteriza a infinitude e perenidade da humanidade.

   Esta compensação mental e corporal torna-se sensível em qualquer estado das acções humanas, funde-se em círculos sempre mais activos e dominadores do homem no progredir da base de todos os desejos correlativos nesta compensação. Torna-se alimento que o ser humano sente apetecível e superior a todo o alimento físico e material, necessário e imprescindível em todas as condutas que o reclame; torna-se benefício perfeito nas completas e sãs convivências. E, enquanto que em todas as acções humanas em que o benefício seja exterior se verificam estados de compensação temporária, finita e variável à consciência valorativa, por isso mais dependente das ordens que as tornam possíveis do que do sujeito que as empreende e executa; já no que se refere àquelas acções em que o benefício seja interior e que aumenta na proporção da abertura do ser humano, verifica-se que a compensação floresce e eternaliza-se no interior de cada um, tornando-se invariável à consciência valorativa e racional e simultaneamente em constante apelo torna-se compreensível na revelação do élan vital.

   A pedagogia intrínseca e universal constitui a base do Amor Comum e abre as janelas à liberdade, que é a génese suprema da Vida.

   A Liberdade é consciência natural do Universo, sentida por todas as criaturas e reconhecida pelo pensamento na ascese existencial, rumo à plenitude. Oscila entre os momentos pendulares da vida biológica, psicológica e social e vibra em cada lapso de tempo, na razão directa dos sentimentos da natureza psico-afectiva de cada pessoa.

   A Liberdade torna-se instância indissociável na jornada de cada ser humano e elemento de correlação em todas as escaladas até ao estado superior da aprendizagem e conhecimento. Manifesta-se nas diferentes ordens do Universo e reflecte-se no jogo processual de razões mais óbvias ou menos conhecidas, em momentos normais ou de circunstância, geradores de ordens e significados diversos de cooperação, comunicação e coesão social.

   A força interior, que brota dos estados naturais livres, impulsiona por contiguidade o homem na vontade, desejo e compromisso de resistir a todos os estados imobilistas e a desencadear relações sempre novas e diferentes, tornando-se, em alguns casos, tão envolvente e dominadora esta força, que leva o homem a saltar racionalmente as fronteiras da limitação e finitude para as da imolação emotiva e transcendente.

   A assunção dos actos humanos polariza-se entre o grito e o silêncio, entre a emoção e a razão, entre o sono e o sonho e é mediada pela Liberdade que os compromete à exaltação ou ao esquecimento. Por esta e por demais razões, não pode prescindir-se do compromisso dinâmico e gradativo dos ritmos da Liberdade e por consequência de todos os elementos que a unifiquem em todas as revelações. As acções humanas devem ser assumidas como realidades momentâneas de um processo complexo, que comprometam a Liberdade sem a empenharem, seja em que causa for; só assim, podemos fruir e tonificarmo-nos pela força que recebemos na correspondência em cada acto que desempenhamos. A Liberdade é Unidade, mas as dimensões que a caracterizam, e são polos da mesma, constituem em nós a dificuldade de definir as fronteiras da materialidade e a profundidade da sua essência. A dimensão de ser simples sem deixar de ser livre, de ser justo, recto e exigente; a dimensão de ser superior sem deixar de reconhecer que tal superioridade advém da responsabilidade, não da força ou do poder; ou a dimensão de serviços, sem se perder nos desígnios e na vocação que estes exigem em cada instância da Liberdade.

   A Liberdade não pode ser sentida e experimentada no mesmo efeito dos desejos ou vontades, mesmo que legítimos e superiores, nem a causalidade é extensa em comum. Ser livre é estar no estado natural e reconhecer por si próprio que dele depende, sem que tal dependência reciprocamente o penhore. Ser livre é não concorrer para o estabelecimento de quaisquer laços de dominação e elevar-se pela consciência em tudo quanto dignifique a ordem que integramos.

   Não se aprende a ser livre, porque nascemos livres; aprende-se a exercer a liberdade em todas as dimensões que a caracterizam. A Liberdade sente-se e vive-se pelas acções e conhecimentos e nela nos deslumbramos mais ou menos, conforme somos capazes de equilibrar os desejos e as vontades, que se memorizam a partir de múltiplos factores e se socializam no crescimento.

   A Liberdade é movimento dirigido e sentido no Universo por todas as criaturas que o constituem. Todos os seres se movimentam livremente no Cosmos, mas o homem ao socializar-se nas diferentes maneiras no globo terrestre, complexificou-se nos diferentes grupos, nas diferentes raças e nos diferentes continentes e por isso complexificou-se, também, nas diferentes dimensões da Liberdade, que é a lei natural e que exige do homem, como ser social autónomo, que a não sacrifique nem penhore.

   O homem, ao socializar as suas acções e descobertas, socializou a liberdade e comprometeu-se perante esta lei natural. Primeiro, de forma inconsciente e dependente, depois, consciente e modelar; e a vida humana tornou-se mais vida, quando a liberdade foi sentida pela responsabilidade, mas aparentemente menos liberdade. E, em conclusão, podemos afirmar que não somos condenados a ser livres, somos naturalmente livres, fundidos na consciência de sermos suficientemente livres em cada momento de liberdade.

   O Homem é o mais livre e mais frágil ser da Natureza. Disso não pode tirar vantagens, pois quando excede a Liberdade torna a vida menos vida.

   A Liberdade sente-se e pensa-se numa empatia tão fascinante que a sucessão do tempo e a extensão do espaço se fundem numa transcendente e complexa intimidade do entendimento humano.

   Pensa-se e sente-se em liberdade, quando esta vibra em pleno e o espírito intima a memória a comparar as imagens, para que se racionalizem em instantes de criação e sucessivos finitos de conhecimento.

   Sente-se e pensa-se em liberdade, quando se temporariza e se espacializa na imprevisibilidade, no aleatório, no contingente, quando se consubstancia a acção de pensar ou se funde o pensamento em formas específicas desta energia universal infinita. O sentimento e o reconhecimento desta plenitude torna-se tão rejubilante que motiva a prosseguir em todos os desígnios, que exalem esta cintilação e nos façam sentir esta bela e harmoniosa ordem; volvendo o estado interior na comparação de todos os lapsos de tempo vividos e racionalizados na maior parte das vezes de forma imperfeita e assaz insuficiente. É que, entre sentimento e experiência, a relação que se estabelece é mais de efeito que de causa, e a maioria das pessoas perturba-se nesta teia inexorável de sucessões e torna-se ansiosa pela repetição do vivido, mesmo que facilmente reconheçam que é naturalmente efémera a expressão biológica corporal e mental.

   Nesta ansiedade, intentam a maioria das pessoas reter no imaginado depósito mental a brisa da liberdade que tonifica o corpo e aquece a alma, em que a constância não tolera subtracção, fuga ou suspensão, nem partilha momentos ideais ou evita actos sem propósito; e, com mais relevância, não atende à consideração da História para considerar-se mais, porque será sempre Liberdade, mesmo que muitos não dêem conta e outros lhe fechem a porta.

   Sentir e pensar em Liberdade é compreender o Universo na eterna musicalidade e ordem rítmica das leis e desígnios do Infinito Criador. É compreender o fascínio da natureza humana e suspender-se entre a perplexidade do mistério que nos envolve na existência, ou na ascensão legítima ao entendimento do poder da criatividade, e a exaltação natural à consciência de pensar em liberdade, como manifestação pura da natureza humana, de que se pode interceder pela Graça de Deus e compreender pela serenidade de consciência, sem se pensar na exclusividade.

   Sentir e pensar em Liberdade não é apropriar-se deste valor, segundo uma ordem de Ser sim ou não, nem considerá-lo em função das conveniências de cada pessoa, de cada grupo ou de cada Estado: haverá liberdade se houver vantagem, será vantajoso se não houver liberdade. Ela É, e corre sempre na velocidade do tempo em qualquer elemento, em qualquer lugar e em todos os sentidos; sendo cada um dos seus constituintes a finalidade de chegada e de partida em círculos vorticiosos e intensidades relativas, numa proporcionalidade directa aos corpos e inversa às suas forças: quanto mais elevada for a força e menor a fragilidade, maior será a resistência e menor a liberdade. O Homem é mais livre porque é mais frágil, mas disso não pode tirar vantagens nem pode servir-se dela para seu uso pessoal, porque se aparentemente se torna mais forte e poderoso, na realidade torna-se menos livre e menos feliz.

   Em liberdade sente-se e pensa-se, no verter das lágrimas pela alegria ou tristeza, no afagar do rosto ou no tocar a enxerga de noite ou de dia, sós ou em companhia, na escuridão da vida ou na explosão da luz, na passividade enjeitada ou na actividade oportuna, na materialização consciente ou na expressão lúcida do sonho; sobretudo, quando serenamente, pela sua interposição e essência, nos fundimos no ciclo de beleza, de bondade e de virtude que esta nos revela no Amor comum. Estes são polos de unidade, que constituem o sentimento da matriz individual e social da humanidade, e que a memória cultural vem omitindo pela tendência da vantagem e o mistério dos credos institucionais, que hipotecam o Credo Universal, em que a Liberdade é a sua fonte e a luz a sua vitalidade.

   Sentir e pensar em Liberdade é ser naturalmente livre e responder voluntariamente aos imperativos universais da independência de movimentos e ordenação de funções; é servir servindo, sem ser utilizado, e ser útil sem pensar na utilidade de ser útil.

   Não fomos condenados a ser livres; somos naturalmente livres, fundidos na consciência de sermos suficientemente livres em cada momento de liberdade e entre outras concessões, esta distingue a nossa superioridade.

   Só a assunção deste axioma nos torna mais vivos, mais felizes e mais voluntariosos. Mas, tal como a vida, a liberdade nos seus momentos de intimação lança o homem em corridas apressadas excitantes ou em situações inertes e adormecidas. A Liberdade pressupõe uma experiência cautelosa e dirigida, na vertente compensatória interior e exterior, para que reflicta um sentimento aberto à dúvida e não à descrença, à vontade em prosseguir e não à omissão, ao reconhecimento do Bem ou do erro sem obstinação desesperada.

   Vocacionado para o exercício da liberdade, não pode o homem, sob pena de se confundir, deixar de estar bem atento em todas as acções punitivas, em resultado de desvios à vontade primeira do Bem, e preparar os caminhos que conduzam à rectificação de todos os antecedentes experimentais reprovatórios. É visível o drama febril em que a multidão se condensa, quando se exaure em movimentos desatentos e de conveniência apropriada, traduzidos em resultados lamentáveis de crime, violação de deveres e direitos, destruição de valores e instabilidade nos sentimentos de ordem pública e social. Embora efémeros, estes movimentos esgotam a força motriz de cada um dos grupos em particular e da ordem em geral e, por atrito, provocam tédio e descrença nos objectivos que motivam a ordem geradora de novas sucessões.

   É que, paralelamente à ordem geradora de sucessões naturais na revelação da imprevisibilidade do Universo, no que é aleatório e contingente, desenvolve-se, também em extensão imprevisível, uma excitação social que motiva a ordem estabelecida. E é do equilíbrio na superação das dificuldades problemáticas, motivadas por estas duas ordens, que resultam, entre outras, dimensões do progresso e do desenvolvimento. Ora, se estas mutações se efectuarem em desordem, caos e fractura dos valores naturais e sociais, que as constituem e unificam no desenvolvimento; toda a cultura política, económica, religiosa e jurídica, se desgasta e se confronta, agressiva e por vezes violentamente até ao restabelecimento da ordem mutacional interna e externa dos factores culturais de coesão e unificação social.

   Assim, é na regularidade destas ordens, mesmo no que é mais previsível à coordenação e planificação, que se vão experimentando soluções diversas e se vão ensaiando, pelos diferentes modos de conhecimento, novas riquezas interpretativas. Em cada uma delas se vai descobrindo como actualizar o que as caracteriza, no que é mais regular, e inventando respostas de actualização para o que é mais imprevisível, aleatório e contingente. Vai-se descobrindo, também, em cada uma delas e no conjunto, que princípios e que leis de carácter mais geral as condicionam na sua vitalidade. As mutações internas desenvolvem-se em extensão completiva, algumas vezes contraditória e antagónica; referem a dinâmica inovadora de soluções convergentes ou divergentes, mais eficazes e mais complexas, no qual a manutenção da ordem assumida e planificada é fundamental e há-de resultar de comportamentos e acções de estabilidade, adequadas à coerência e unificação da representatividade expressa e desejada no ideal a alcançar. As mutações externas à ordem social dominante e à ordem natural constituída, ao poder humano mais reconhecido e regular e às configurações naturais definidas pela administração do poder e pelas diferentes formas de execução, se respeitam os princípios de ordem geral e se são fundamentadas em bases de conhecimento, porventura, com alguma margem de incerteza, mas não totalmente descoordenadas e precipitadas por objectivos descaracterizados do que é universal, humano e lógico, desafiam a prova de que nenhuma ordem social é definitiva e perfeita na totalidade, e que a constituição hierárquica fundamenta a base do relacionamento e da comunicação, mas não é imperativa na escolha da ordem timoneira. Elas subordinam-se umas às outras e pelos princípios que as caracterizam; a humanidade em geral e o homem em particular, as vão experimentando pelo conhecimento e seleccionando em cada um dos momentos da sua vida as experiências que orientam melhor e o tornam mais feliz em cada uma das fases da vida. Assim, as experiências nas diferentes ordens culturais e naturais tornam-se válidas e mais enriquecedoras e desenvolvem interna e externamente a ordem económica, política, religiosa, artística, etc.

 

Autor: Macedo Teixeira; Obra: Sementes da Verdade; Fotocomposição e Impressão: ROCHA/Artes Gráficas, L.da; Julho de 1992; págs. 17 a 22.