Sementes da Verdade

23-11-2012 15:57

SEMENTES DA VERDADE

SEGUNDA PARTE

DA POLÍTICA PARA A MORAL

 

VI

A "Vocação e Chamamento"


 

    Capacitados para um conjunto de serviços vamos, no conjunto das experiências e no seu exercício, descobrindo para o qual somos impelidos natural e voluntariamente, até chegarmos ao único não comparável no gosto e na vocação com outro dos que possuímos, e por não ser susceptível da nossa dominação e apropriamento, se define por si e se reconhece em cada um como parte da missão geral de serviços da humanidade.

    Missão de servir, sem designações de exterioridade nem quantificação de resultados e de causas; a linha da procura de todas as acções que conduzam ao núcleo infinito da Verdade, do Bem e da Eternidade universais. Agigantamo-nos na vontade de servir, para não perdermos uma única semente que recebemos da Sabedoria e que nos intima a semeá-las nos corações humanos, para que dos frutos possam nascer novas sementes e novos frutos para o alargamento na comunidade do Bem, do Progresso e da Sabedoria.

    Quando iniciamos a nossa missão recebemos as sementes correspondentes e os instrumentos do conhecimento para as plantarmos com eficácia e com desenvolvida profusão. Pouco a pouco, vamos compreendendo que o Mundo não se circunscreve só ao que ouvimos, vemos, dizemos e planificamos; e, que, em certas alturas da nossa caminhada, se circunscreve mais aos resultados e sua mais notória invisibilidade racional, do que às excelentes conclusões completadas em exame.

    Não é em determinismo e contingência, no sentido absoluto dos termos, que devemos colocar a nossa análise nas diferentes acções, que implica cada uma das missões que realizamos da missão geral de serviços que recebemos; devemos referir-nos, sim, à nossa incapacidade de destacarmos pelo isolamento e rigor de trabalho, de uma só vez, a unidade da missão que vamos completando e qual o alcance e profusão da nossa incidência sobre as coordenadas missionárias no sentido exacto da missão divina.

    Felizes todos os que chegam a este estado de servir, porque não regatearam esforços nem se escusaram ao sofrimento; e que empolgante deslumbramento não sentem todos aqueles que, mesmo que não possam prever por antecipação toda a extensão da unidade da missão de serviços que recebem, não se perdem na comunidade da abundância nem se deixam extasiar por vaidade?

    É que, se chegar, em si já é bastante, não é senão o ponto de começo para outras tarefas, que exigem tanta atenção e tão alargada disponibilidade que ninguém sonha os limites iniciais e a extensão e condicionalismos de qualquer missão de serviços. Estamos seguros, contudo, que se todos pudéssemos experimentar, um pouquinho só deste estado de satisfação sentida noutra escalada do dever iniciado; por certo que, todos desejaríamos chegar a tal dimensão das funções de serviços e não trocaríamos por nada o seu alcance. O fascínio e o mistério combinam-se na missão de serviços, de tal maneira, que é como se tivéssemos sido tocados por algo invisível, que nos guia eternamente e com tamanha perfeição e docilidade; que não ousamos proferir qualquer comentário, por receio de ofuscarmos a alegria que brilha dentro de nós.

    Maravilhosamente acompanhados por algo que desconhecemos, que nos alegra e nos projecta em domínios transcendentes e estranhamente comparativos; nos intima à absoluta atenção e exigente rigor, a fim de podermos caminhar na nossa própria mudança, connosco e por nós. É como se estivéssemos sob um foco de luz que concorresse para nos guiar na sua direcção, mas não actuasse sobre as nossas vontades de o seguir ou o recusar; logo, seguir ou ficar depende de nós. Mas, quando se descobre que temos de ser nós a decidir e descobrirmos os resultados, não vacilamos mais, nem questionamos a luz que nos orienta para o foco e a raiz imanente da sua eternidade.

    Mestre e peregrino inclinam-se na mesma direcção e no mesmo concurso; livres e excelsos na magnitude das diferentes missões. O Mestre da Escola da Vida ou da Vida da Escola e os peregrinos humanos que descobrem como encontrar as regras e como as manter na orientação e as aprofundar na aplicação às funções e aos princípios que as regulam. O saber e a procura articulam-se numa combinação perfeita e num concurso voluntarioso e livre.

    Homem e Vida, Verdade e Justiça, Caminho e Glória – conjunto de realidades que focalizam a história de cada um na ordem do Tempo e da Sociedade; dimensões vitais que o ser humano explora até ao máximo possível dos limites da acção e do conhecimento, pela aprendizagem da ordem escolar sobre a Vida ou vice-versa. Qualquer que seja a orientação que predomine na formação da existência humana, as bases de conhecimento fortalecem-se e desenvolvem-se pela ordenação praticada, com base nos princípios que asseguram a Verdade de todo o conhecimento e seu consequente desenvolvimento. Assim, os princípios tornam-se simultaneamente, em bases de conhecimento e em fontes de novos princípios e em princípios mais integradores.

    E porque temos vindo a procurar provar que é a Sabedoria, seus princípios e leis, que ordenam e fundamentam a Verdade, em todos os tempos, lugares e pessoas; e que é ela também, que coordena interna e externamente a vida humana nas diferentes actividades que caracterizam a Vida e sua organização – mesmo que o homem seja muito ou pouco culto; bastando para o efeito e em primeiro lugar, seguir a Verdade e depois explorá-la nas suas raízes e sua desenvolvida aplicação; vamos para o efeito dar um simples exemplo da relevância no predomínio da acção prática da escola da Vida:

    – Um simples convite a uma pessoa para visitar outra, proporciona em qualquer ser humano, educado nos princípios da Verdade e do Bem, uma articulação harmoniosa entre os valores da educação e da instrução, e até à estabilização do que nestes é mais essencial e sobre o que é mais social, nota-se em qualquer um dos seres humanos do conjunto uma adaptação coordenada pelos princípios e valores educativos, quando exercitados e compreendidos através das aprendizagens escolares, assimilados e praticados espontaneamente; ou mesmo exercitados e compreendidos, através de aprendizagens escolares de coordenação metodológica e de planificações rigorosas. Em qualquer um dos casos, a primeira conclusão que se deve retirar é a que resulta da evidência da Acção da Sabedoria sobre todas as formas de conhecimento.

    Qualquer pessoa, por mais ou menos instruída que seja, sente, quando visita alguém, que as leis da dependência e da integração actuam sobre a vontade e o desejo, em que se inscrevem as motivações que obviaram o contacto. Sabe também que, durante algum tempo, está sobre a pressão psicológica do espaço, do grupo e das individualidades presentes – logo, sabe que sendo independente e sendo o desejo de todos os que o convidam que assim seja, só ao cabo de algum tempo e pela acção dos princípios que regulam a educação e brilham a instrução, é que, de dependente, se torna em igual e independente. E se a instrução ou conhecimento não permitem saber o porquê de tal normalidade e bem-estar, a Sabedoria atinge, por coordenação indirecta, as acções dos diferentes sujeitos e na materialização interiorizada dos princípios, as práticas dos grupos ilustram-se e dignificam-se em significado. E o que mais nos fascina, é o que vai acontecendo espontaneamente na regulação das condutas, e como os princípios básicos da sociabilidade e da educação disciplinam a expectativa e a integração, e de algum modo como actuam nas concepções proverbiais de cada um e de todos em geral: “não vás sem seres convidado, não entres sem te autorizarem, nem fales sem to pedirem”.

    A sabedoria prática actua sobre o pensamento que se formaliza pelas lei e princípios, e estas e estes, são imediatamente os coordenadores e disciplinadores da ordem em quem chega e em quem está.

    O homem recebe outro homem e na união das vidas fundem-se, com intensidades mais ou menos pronunciadas, os princípios e as bases de conhecimento que assumem a Verdade e a afirmam nas intenções e propósitos de cada uma das motivações e no jogo processual dos objectivos de cada um. Ninguém se perde nem se desvia e podem aprofundar-se os diferentes sonhos que pela Verdade e  Sabedoria se vão ensaiando. E por mais simples que sejam os diálogos, a unificação das vontades e dos desejos distendem-se até às mais consequentes realizações; porventura, de início verbais e subjectivas, que são afinal as iniciais construções de todas as realizações que nascem nos diferentes sonhos e nas diferentes ocasiões: o Homem sonha, Deus quer e a Obra nasce.

    Se não fosse a Sabedoria que coordenasse e impelisse o Homem na sua procura e no seu auto-reconhecimento, como se encontraria com outro? E como se encontraria consigo próprio?

    Na ordem de desejos e vontades, o Homem vai-se comprometendo e sentindo que esse é o Caminho, e que não há outros, que não sejam perigosos e angustiantes e que só por erro consentido, surgem como alternativa. Comprometendo-se com os princípios que regulam a fala, o espaço e o convívio; os princípios da Verdade e do Bem; procurando noutro semelhante integrar e desenvolver o que possui e receber deste, o que lhe escapa e lhe falta. Fala se sabe, diz se tem a certeza e pede se sabe o quê. Segredos do pensamento que os actos interrogam e a Verdade condena, quando o homem se desvia da ordem mútua do respeito e da fraterna consideração com o seu semelhante. Bem de todos, quando a Verdade aprova, mesmo nas oscilações entre o máximo e o mínimo de regularidade, como as grandes vagas da acção do vento e a serenidade do leito de quem dorme tranquilo. No entanto, bem de poucos, pelo esquecimento e descrença da maior parte, na Ordem Universal da Vida e pelo fatalismo de algumas regras introduzidas na comunhão dos ideais, que não comportam tamanha campanha nem imposta filiação.

    Somos seres humanos, regulados por leis cósmicas e sociais e que à harmonia das primeiras e conhecimento dos seus segredos, há-de corresponder a harmonia e segredo das segundas. Não podemos regular-nos por regras que não permitam a afirmação potenciada, ou mesmo já actualizada, das dimensões vitais de ambas as ordens, em profundo relacionamento e íntimo desenvolvimento.

    As regras que alimentam a falsidade, só destroem o homem e impedem-no de ascender ao autoconhecimento e ao conhecimento dos outros. Quem somos nós? Donde viemos e para onde vamos? – São perguntas tão fascinantes e tão íntimas, que todo aquele que não se esforçar por percorrer os caminhos que hão-de conduzir às suas respostas, jamais será capaz de se pronunciar favorável à sua descoberta.

    Seja-nos permitido com imperfeição na semelhança, porque não encontramos melhor pensamento para referirmos o que pretendemos senão para além do comum dos mortais, e daí a necessidade de invocarmos nesta nossa hora de reflexão o pensamento de Jesus: “Tu não Me procurarias se não Me possuísses”. Se o homem, no crescimento e amadurecimento, perde o Homem que recebeu em si quando nasceu, não pode procurá-lo em si, mas fora de si; porque não pode procurar-se a si mesmo sem a ajuda desse Homem ideal e autêntico que guia cada um de nós nos objectivos e realização da Verdade. Todos estamos a tempo de voltarmos a encontrar-nos, se formos capazes de nos deixarmos guiar pela Escola da Vida ou pela vida da Escola e por ambas reciprocamente, se formos capazes de nos afastarmos dos caminhos que conduzem ao aprisionamento do nosso ser e que não facilitam, nem consentem, no resgate da nossa liberdade, nem a vida sem caução e sem sofrimento.

    Nascemos livres e com a missão comum de resgatar a Liberdade de todas as formas de opressão e de todos os impérios da servidão humana. Onde quer que seja vivida a nossa vida, aplicados os nossos braços e experimentada a nossa cabeça, só nos pode animar a vontade e o desejo de servir os valores da Liberdade, da Justiça, do Homem e da História, que é o mesmo que servir Deus, o Paraíso e a Eternidade.

 

Autor: Macedo Teixeira; Obra: Sementes da Verdade; Fotocomposição e Impressão: ROCHA/Artes Gráficas, L.da; Julho de 1992; págs. 71 a 75.