Quando as Estrelas Acordam (19) / When the Stars Awake (19)
Quando as Estrelas Acordam (19)
Quando as estrelas acordam, a nossa acção vai sendo desempenhada numa relação de vantagem para o presente, servindo em simultâneo como conjunto de experiências para orientar no futuro o caminho a seguir para a busca e conhecimento dos limites do nosso ser.
Na nossa existência passada, vão sendo registados acontecimentos diversos que experimentamos e trazemos para o presente como exemplos bons ou maus que devemos suprimir ou desenvolver melhor na vivência da nossa vida. No estado presente, vamos vivendo, estruturando a vida com esses registos na memória, confiando na dimensão de cada totalidade que vamos perfazendo com a diversidade do novo vivido em cada momento do nosso quotidiano. O futuro passa a estar na dimensão espiritual que o nosso presente experimenta e projecta mais plenamente na abertura da finitude do limite de cada ocasião para a infinitude do ilimitado e ainda humanamente indefinível; o futuro será depois, o futuro será amanhã. Na dimensão estelar, a nossa vida resultará de uma criação permanente, uma criação que desvelará novos elementos e novas energias e fará emergir na nossa consciência, em cada sucessão temporal, um sentimento mais tranquilo, um sentimento de expectativa mais serena e profunda. Viveremos, nesta dimensão, num sentimento de interjeição, num sentimento instantâneo de entrega e de espera pelo dia seguinte, um sentimento que é de qualquer idade, mas que se reconhecerá melhor a partir da juventude e muito melhor na idade mais avançada. Com isto, não significa que deixamos de ter referências sociais pré-definidas, nem ideais que desejamos e fazemos questão de seguir na orientação da nossa existência, em todos os tempos e em conformidade com as próprias mudanças; a nossa adaptação e desenvolvimento não poderiam ser de outra forma. No entanto, apesar desta necessidade, torna-se importante esclarecer que é nesta nova fase que vamos vivendo de um modo mais livre e puro, já que as experiências vão acontecendo, como se tudo fosse discretamente desvelado, no ritmo da totalidade das partes, em que Deus é a parte primeira, ao tornar-nos completamente livres, para passarmos, com segurança, a experimentar os imaginários dessa mesma liberdade, mas agora de uma forma muito menos rígida. Com esta nova atitude, não deixaremos de procurar um centro, ao qual permanentemente nos ajustaremos na nossa ligação pessoal e social; no entanto, com este novo modo de relacionar e descobrir a vida, começaremos a acreditar mais na dinâmica que move o nosso ser, embora reconhecendo que esta não pode acontecer fora da nossa abstracção, mas pode acontecer, noutras dimensões da liberdade, as quais poderão não exigir formas tão rígidas e intoleráveis para o nosso posicionamento pessoal e social. Adquirimos, também, nesta nova dimensão, a consciência que somos uma ínfima parte do ser, que amanhã será um novo dia, com horários que nós próprios iremos reescrever, para cumprir situações que não seremos capazes de antever, passando a reconhecer nesta nova ordem e com este novo comportamento, que todos os centros só o são em relação a alguma coisa e que estes estão sempre a mudar na ordem inexorável do Universo.
Todos crescemos integrados em contextos da vida social, que nos são dados a conhecer e a experimentar. Em algumas realidades sociais, podemos desfrutar do seu sabor agradável e com ingredientes que prometem almejar a realização dos nossos sonhos e torná-los em realidades concretas: tirar um curso, ter um emprego, casar, constituir família, educar os filhos com o nosso amor e a máxima protecção; e realizar com sucesso tudo isto. Mas, mesmo nestes contextos e nestas realidades mais concretas, há sempre a mudança e a transformação das ordens, pelo que nenhum centro pode ser, ainda que por pouco tempo, limitado conforme a nossa vontade. Nós é que teremos de nos ajustar às mudanças que ocorrem em cada instante e em todos os processos da nossa existência. A Vida é sempre movimento e acção; e tentar sustermo-nos nas suas manobras, era acreditar que seríamos capazes de decalcar pela vontade todos os sinais que ela produz e a partir daí construirmos um plano de orientação infalível. Se fosse possível este exercício, a vida seria um jogo accionado por forças mecânicas, controláveis e previsíveis e o homem um elemento sem capacidade na engrenagem, o que lhe retiraria a sua especificidade, que é pensar e agir, ainda que com liberdade condicionada.
Quando atingimos este estado de consciência, verifica-se em simultâneo uma abertura para a doação da nossa vida, no sentido de a viver sem modelos tão rígidos, sem modelos cujos limites, quando não aplicados com muito rigor, possam causar perturbação e receio pela perda das nossas identidades, que têm, como se sabe, muita importância para o sentido da nossa vida social. Nesta altura, estamos mais envolvidos socialmente e, por isso, as nossas identidades não serão menos valiosas se nos relacionarmos e interagirmos com maior flexibilidade e maior tolerância no valor das nossas identidades; o nosso comportamento torna-se multicultural. Este estado de consciência de abertura ao outro acontece naturalmente por acção da totalidade da nossa vida, que agora se dispõe a romper com todas as situações de fixação pessoal que não são boas para o nosso desenvolvimento, mesmo que tenhamos a ideia de que com este comportamento estaremos a exercer algum domínio, pois o que fazemos é porque queremos que assim seja.
É evidente que não poderemos dispor a nossa vida de uma forma completamente aleatória; mas pensar que somos o único agente totalizador da nossa história, é acreditar que para além de cada um de nós não há mais nada, quando nós sabemos que não é assim, pois a nossa incompletude pode explicar-se pela nossa fragilidade e insuficiência. A nossa doação ao outro, de uma forma sincera e verdadeira, e a entrega da nossa vida pela causa da humanidade são os aspectos que erguem as nossas expectativas e criam em nós novos sentidos para viver sempre ao encontro dos limites possíveis e da realização da parte que está mais adiante. Nesta entrega e doação, a qualidade e o sabor dos actos que praticamos tornam-se cada vez mais apetecíveis; agora, a vida passará a viver-se na proporção do tempo: quanto mais longa e descentrada dos limites físicos, poderá ser menos atraente, mas será mais real e mais saborosa. Quando as estrelas acordam, a nossa vida passa a conjugar-se pela acção voluntária em cada experiência realizada, passará a haver uma maior riqueza na flexibilidade do juízo, já que cada um de nós viverá com mais consciência na emergência das soluções espontâneas, ainda que racionalmente reconheça a inevitabilidade do rigor das ciências. Cada pessoa será, a partir desta altura, tocada por dentro, de tal modo que o desejo de viver e amar será algo natural, embora saiba que a contagem do tempo da vida será uma actividade dos poderes divinos que não estará ao seu alcance. Este sentimento interior fortifica e torna maior a nossa liberdade, o nosso conhecimento, a nossa autonomia e maior a capacidade para sermos nós próprios. Torna-nos mais voluntariosos e prestáveis; as realidades humanas e sociais serão factos do dever social e não da obrigação forçada no cumprimento de qualquer tarefa; nesta altura, o amor não é obrigatório nem possessivo; o nosso amor surge no apelo para o que temos de melhor; o sentimento e a alegria da consciência como espelho da nossa alma. Quando as estrelas acordam, já não somos tão agrestes nem tão impulsivos no juízo fácil das ideias feitas: meditamos, reflectimos, procuramos o sentido para as coisas que nos parecem tantas vezes estranhas, e, dentro dele, colaboramos na conjugação de todos os elementos, para que um novo sentido se faça para nos ser possível um alongamento do pensamento e da emoção para cooptar novas idealidades. Volta de novo ao nosso temperamento a ingenuidade consentida de tudo ver e apreciar com espontaneidade e elevação. Damos valor às coisas e às pessoas, sem estarmos preocupados com o que sentimos nesta atitude. Às vezes, inventamos paraísos artificiais, para nos sentirmos mais vivos e expectantes em relação aos modos de viver que interpretamos no jogo das relações interpessoais. Jogamos com o tempo, na pressa de não chegarmos atrasados a encontros, que são tantas vezes transitórios e efémeros, mas é preciso inventar algo que esteja fora de nós; inventar algo, que se torne em valor real para podermos continuar a acreditar que até o efémero e transitório são partes do nosso tempo e da vida que vamos vivendo. Nós não gostamos de estar sós; só em casos muito especiais e é por nossa escolha; caso contrário, nós gostamos de conviver com os outros, sentirmos que somos semelhantes no ser, embora sendo diferentes nos modos de pensar e agir; logo, gostamos de interagir uns com os outros; aliás, é esta dimensão que nos torna seres sociais e nos permite sermos totalidades de uma totalidade infinita. Gostamos dos espaços e dos nossos semelhantes, os espaços levam-nos para dentro de um centro que se contrai e se distende conforme o aglomerado de seres humanos e, em todos os lugares sociais, há sempre um jogo de signos e de gestos que os espíritos transcrevem e os movimentos lhe dão uma certa graça. É a vida a despontar em todas as ocasiões possíveis das combinações humanas. Às vezes, até com algum excesso, uma situação que nos atordoa, pela impressão que nos causa e nos faz parecer estranhos e atormentados, mas esta dinâmica de oscilações negativas e positivas é a própria força motriz para a procura natural da regulação e ordem em que os seres se acrescentam e têm necessidade de se regularem. Quanto mais simples são as palavras e leves os pensamentos mais nos fascinam as coisas e nos chamam a atenção para o ser. A nossa consciência será o suporte principal, que sustém a nossa vida no caminho que percorremos no dia-a-dia. É, por isso, muito importante o modo como a aperfeiçoamos, para a tornarmos esclarecida, humilde e robustamente acessível; os caminhos, os seres e as coisas não podem ser diferentes na prova realizada em cada dia e no juízo e avaliação da mesma; aliás, é timbre do Homem que a vida seja vivida pela humildade, simplicidade e verdade. Estes sentimentos serão a força que mais ansiamos ter para concretizar bem os nossos actos e sustê-los no espaço das fronteiras do inconsciente e consciente da nossa vida. Este estado de consciência, que é constituído superiormente pela acção das estrelas, torna-se no lugar donde, da ligação perfeita com o finito e com a transcendência, resultarão teorias e práticas mais ou menos brilhantes, que farão deste lugar interior, o lugar com o qual mais queremos manter relação. Este lugar será uma ponte aberta a todas as passagens; ele permitirá que os nossos sorrisos sejam o sinal de uma vida feliz, com os desejos de ascender pelo movimento e mudança ao conhecimento das diversas humanidades.
Macedo Teixeira, Quando as Estrelas Acordam, Sítio do Livro, Lisboa, Julho de 2014, pp. 73 a 79.
When the Stars Awake (19)
When the stars awake, our action is performed in a relationship of advantage to the present, serving simultaneously as a set of experiences to guide in the future the path to follow for the search and knowledge of the limits of our being.
In our past existence, several events that we experience and bring to the present as good or bad examples that we ought to suppress or develop better in the living of our life are being recorded. In the present state, we are living, structuring life with those records in memory, trusting in the dimension of each totality that we are adding up with the diversity of the new lived at each moment of our everyday life. The future starts being within the spiritual dimension that our present experiences and projects more fully in the opening of the finitude of the limit of each occasion to the infinitude of the unlimited and still humanly indefinable; the future will be later, the future will be tomorrow. In the stellar dimension, our life will result from a permanent creation, a creation that will unveil new elements and new energies and will make emerge in our conscience, in each temporal succession, a more tranquil feeling, a feeling of a more serene and profound expectation. We will live, in this dimension, in an interjection feeling, in an instantaneous feeling of commitment and wait for the next day, a feeling that is of any age, but that we will recognize better from the youth on and much better in and advanced age. With this, it does not mean that we stop having predefined social references, nor ideals that we wish and insist on follow in the guidance of our existence, at all times and in compliance with the very changes; our adaptation and development could not be otherwise. However, despite this need, it becomes important to clarify that it is in this new phase that we are living in more free and pure way, since the experiences are happening, as if everything was discretely unveiled, at the rhythm of the totality of the parts, in which God is the first one, by rendering us completely free, so that we start, with assurance, experiencing the imaginaries of that same freedom, but now in a much less rigid manner. With this new attitude, we will not stop searching for a center, to which we will permanently adjust ourselves in our personal and social connection; however, with this new way of relating and discovering life, we will begin to believe more in the dynamics that moves our being, although acknowledging that it cannot happen outside our abstraction, but it may happen, in other dimensions of freedom, which might not demand so rigid and intolerable ways for our personal and social positioning. We acquire, also, in this new dimension, the awareness that we are a lowest part of the being, that tomorrow will be a new day, with schedules that we ourselves will rewrite, to fulfill situations that we will not be able to foresee, starting to recognize, in this new order and with this new behavior, that all centers are so in relation to something and that these are always changing in the inexorable order of the Universe.
We all grow integrated in contexts of social life, which are not given to us to know and to experience. In some social realities, we may usufruct from its enjoyable taste and with ingredients that promise to long for the fulfillment of our dreams and to turn them into concrete realities: to do a degree course, to get a job, to marry, to start a family, to raise the children with our love and maximum protection; and to fulfill all this with success. But, even within these contexts and in these more concrete realities, there is always change and the transformation of the orders; for that reason no center can be, even if for a short time, limited according to our will. It is we that will have to adjust ourselves to the changes that take place at every moment and in all processes of our existence. Life is always movement and action; and to try ourselves to sustain in its maneuvers, was to believe that we would be able to imitate at will all signs that it produces and from that to build an infallible plan of orientation. If this exercise was possible, life would be a game actioned by mechanical forces, controllable and predictable, and man an element without capacity within the cogwheel, which would take him his specificity, which is to think and to act, even if with conditioned liberty.
When we reach this state of conscience, it occurs simultaneously an opening to the donation of our life, in the sense of living it without such rigid models, without models whose limits, when not applied with much rigor, may cause disturbance and fear for the loss of our identities, which have, as we know, great importance to the meaning of our social life. At this time, we are more involved socially and, therefore, our identities will not be less valuable if we relate to and interact with each other with greater flexibility and greater tolerance in the value of our identities; our behavior becomes multicultural. This state of conscience of opening to the other happens naturally by the action of the totality of our life, which now is willing to break with every situation of personal fixation that is not good for our development, even if we have the idea that with this behavior we will be exerting some dominion, since what we do is because we want it to be so.
It is evident that we cannot dispose our life in completely random way; but to think that we are the only totalizing agent of our history is to believe that beyond each one of us there is nothing more, when we know that it is not so, since our incompleteness can be explained by our frailty and insufficiency. Our donation to the other, in a sincere and true manner, and the delivery of our life to the cause of humankind are the aspects that raise our expectations and create in ourselves new meanings to always live to meet the possible limits and of the realization of the part that is further on. In this delivery and donation, the quality and the taste of the acts we practice become even more appetizing; now, life will start being lived within the proportion of time: the longer and more decentered of the physical limits, it may be less attractive, but it will be more real and more palatable. When the stars awake, our life starts conjugating itself by the voluntary action in each realized experience, there will begin to be a greater richness in the flexibility of judgement, now that each one of us will live with more conscience in the emergence of the spontaneous solutions, even if it rationally recognizes the inevitability of the rigor of sciences. Each person will be, from this time on, touched from within, in such a way that the desire to live and to love will be something natural, although he or she knows that the counting of the time of life will be an activity of the divine powers that will not be in his or her reach. This inner feeling fortifies and makes greater our freedom, our knowledge, our autonomy and makes greater our capacity to be ourselves. It renders us more voluntary and helpful; human and social realities will be facts of the social duty, but not of forced obligation in the accomplishment of any task; at this time, love is neither compulsory nor possessive; our love emerges in the appeal for the best we have in ourselves; the feeling and the joy of conscience as a mirror of our soul. When the stars awake, we are no longer so rough nor so impulsive in the easy judgement of made ideas: we meditate, we reflect, we search for the meaning to the things that seem to us strange so many times, and, within it, we collaborate in conjugation of all elements, so that a new meaning is made to become possible for us an elongation of the thought and of emotion to co-opt new idealities. It returns again to our temperament the consented ingenuousness of seeing and appreciating everything with spontaneity and elevation. We give value to things and to people, without being worried about what we feel in this attitude. Sometimes, we invent artificial paradises, so that we feel more alive and expectant in relation to the ways of living that we interpret in the game of interpersonal relations. We play with time, in the hurry of not arriving late to meetings, which are so many times transient and ephemeral, but it is necessary to invent something that is outside of us; to invent something, which becomes a real value so that we continue to believe that even the ephemeral and transient are parts of our time and of the life we are living. We do not like to be alone; only in very special cases and by our choice; otherwise, we like to get together with the others, to feel that we are similar in the being, even though being different in the ways of thinking and acting; hence, we like to interact with each other; besides, it is this dimension that makes us social beings and allows us to be totalities of an infinite totality. We like the spaces and our fellow-creatures, the spaces that take us inside a center that contracts itself and spreads itself in accordance with the cluster of human beings and, in all social places, there is always a game of signs and of gestures that the spirits transcribe and the movements give it a certain grace. It is life peeping out on every possible occasion of the human combinations. Sometimes, even with some excess, a situation that stuns us, by the impression that causes us and makes us seem strange and tormented, but this dynamics of negative and positive oscillations is the very motive force to the natural search of regulation and order in which the beings add themselves and have the need to regulate themselves. The simpler the words and the lighter the thoughts, the more things fascinate us and call our attention to the being. Our conscience will be the main support, which sustains our life in the path we cover in daily life. It is, therefore, very important the way we perfect it, so that we render it enlightened, humble and robustly accessible; the paths, the beings and things cannot be different in the accomplished test on each day and in the judgement and evaluation of it; besides, it is a mark of Man that life is lived by humbleness, simplicity and truth. These feelings are the strength that we most long for to have to materialize well our acts and to sustain them in the space at the frontiers of the unconscious and conscious of our life. This state of consciousness, which is superiorly composed by the action of the stars, becomes the place from where, from the perfect connection with the finite and with the transcendence, will result theories e practices more or less brilliant, which will make this place interior, the place we most want to keep a relation with. This place will be a bridge open to all passages; it will permit that our smiles be the sign of a happy life, with the wishes to ascend by movement and change to the knowledge of the several humanities.
Macedo Teixeira, When the Stars Awake, Sítio do Livro, Lisbon, July 2014, pages 73 to 79.