Quando as Estrelas Acordam (16) / When the Stars Awake (16)
Quando as Estrelas Acordam (16)
Qualquer determinação normativa apresentar-se-á como um limite à liberdade, mas ao ser interpretada pela consciência, nomeadamente a consciência moral, experimenta-se neste fim a possibilidade da liberdade como valor da nossa vida e não apenas como um limite social.
Não se pretende com esta observação intelectual retirar a vantagem da norma sobre o procedimento, mas a vida só terá valor ético, e mais do que valor ético, também valor moral, se for vivida através da consciência do bem do fim de si mesma, que é o bem puro; e não convirá nunca vivê-la, sem o reconhecimento de que devemos proceder deste modo ou, apenas, porque a norma assim o determina. Qualquer estado de consciência com vista à supressão do valor da lei é um estado de consciência falsa que fugirá à vivência pela comparação moral e arredará a vida do que ela tem de mais puro e eticamente bom. O ético e o normativo são imprescindíveis para regularem a vida do homem, são necessários para o tornar num ser social e fazer com que a vida tenha um valor com sentido e com história. Mas a intenção ética tem de acompanhar o fim moral de qualquer acção humana. Sem este acompanhamento, ver-se-á a acção, mas não se sentirá a emoção e a bondade de quem a pratica. Viver pelos procedimentos éticos, sem interpelar-se sobre o bem e a bondade da sua conduta, é viver de acordo com a razão e a legalidade, sem relacionar necessariamente o homem como fim e valor da lei moral. Podemos ser um culto eminente nos valores éticos, mas se nos procedimentos não actuarmos voluntariamente com vista ao bem, de pouco nos servirão os limites racionais da consciência e da liberdade. É necessário procedermos por dever, com uma intenção pura, perante a razão e a lei, pois só deste modo seremos autónomos e a nossa acção terá valor moral, porque se revestirá de boa vontade e nos proporcionará aspirar ao valor da subjectividade, que é a dimensão que a razão humana melhor pode desenvolver de modo diverso e profundo.
A subjectividade, como dimensão racional, é uma das condições possíveis para sermos singulares e únicos, torna-se na esfera da criatividade do eu como centro de todas as acções e exercícios cognitivos. Com esta qualidade específica, poderemos flectir profundamente nos graus da nossa imaginação, criando meios e oportunidades para mediar a realidade e o sonho. As condutas devem ser singulares e criativas e não mecânicas nem instintivas. Se o comportamento social for traduzido por meras reacções, se não tiver fundamento na racionalidade e moralidade, cairemos num mecanicismo da consciência e perderemos a sensibilidade para os exercícios cognitivos e para a avaliação a partir de cada elemento, que dá forma e riqueza à capacidade para a subjectividade. Se o pensamento e a acção forem marcadores de referência causal, num ambiente em que bastará conhecer as regras, para logo as contornar e delas se servir como meio (uma vez que a intenção não será guiar-se por elas, mas chamar a atenção através do seu cumprimento com vista a uma imagem social que agrade, mesmo que não seja verdadeira), deve dizer-se que o comportamento que tiver como estratégia a falsidade destas condições, nunca poderá ser bom nem poderá servir de exemplo. Não será este tipo de comportamento que traduz o ser pessoa, já que será um comportamento que não tem dignidade e em que falta-lhe a espiritualidade da vida, por não ser verdadeiro nem proceder com recta intenção.
O Homem é um ser espiritual, dotado de razão e de consciência, criador de cultura que o valoriza e completa; é um ser com responsabilidades na Criação; pode afirmar-se, sem qualquer complexo, que é o principal artífice do Criador. Logo, se é verdade que o homem não necessita para ser criativo de participar em todas as actividades do jogo da vida, tem, no entanto, o dever e a obrigação de estar atento naquelas em que participa; porventura apenas como iniciador, pois por muito simples e discretas que sejam, o seu desinteresse e alheamento tornar-se-ão em factores de regressão e perda da força na construção das formas dos valores, nomeadamente dos valores da vida social. É por isso que os procedimentos éticos têm de guiar-se pela consciência moral, que não é mecanicista nem imediata. Estes procedimentos devem tornar-se em formas de regulação da conduta civil, devendo exceder sempre os limites para que tendem os comportamentos quando se enraízam na vontade individual de sentido egoísta, uma vez que a imagem social tem que tender para o universal, já que deve ser o resultado da consciência moral e social.
Nós somos pré-determinados pelos microssistemas em que crescemos (a família, os amigos, a escola), mas não é por isso que a nossa capacidade de abstracção será menor no nosso desenvolvimento multicultural e, por consequência, na adopção de comportamentos que terão, necessariamente, referências pessoais, porém tornar-se-ão sociais e transversais no círculo da comunidade. Quando as estrelas acordam, apercebemo-nos do estado de complexidade em que o giro da vida vai decorrendo em todos os elementos que estão na rotatividade das sucessivas experiências. Também nos apercebemos que o nosso desenvolvimento se manifesta do simples para o complexo; daquilo que é semelhante ao começar para aquilo que é diferente depois da adição dos vários elementos vividos. Quando realizamos uma acção, uma outra se seguirá e, se a primeira for simples, a segunda já poderá ser complexa, já poderá implicar uma maior abstracção de elementos. Este movimento da vida pode assemelhar-se a uma caminhada, na qual vamos preenchendo cada lapso de tempo vivido com a matéria onde gravamos no caminho as pegadas de cada passada e, dentro destas, inscrevemos os sinais que registamos na memória em formas ideais, factos e imagens, que, em cada instante, serão os pontos de partida nesta idealidade para os novos rumos a percorrer, sendo, entretanto, as pegadas que deixamos para trás, guardadas como recordações, para nos servirem de reflexo na continuação da caminhada com novas passadas e outros sinais.
O viver da vida humana parece, também, assemelhar-se a uma hipotética adição de sucessões acrescentadas, já que somos agentes, na dinâmica natural da vida e as formas que lhe damos impressionam-nos, até na forma de sentir que tudo muda e é diferente na acção dessa dinâmica. Em cada dia parece-nos poder repetir os casos vividos, como se transferíssemos por colagem a parcela de história que os ligou no seu tempo, pois na celebração dos acontecimentos, reactualizamos o tempo da sua origem e ensaiamos a experiência que os fundamentou. Nesta possibilidade, surge-nos a impressão que viver é tornar-se mais, pela adição desses acontecimentos já vividos. Nesta acção, vemo-nos como múltiplos e acrescentáveis, sendo cada novo dia a imagem de um sonho de que nos vamos recordando pela hipotética adição das partes que ele contém. Partes, que a acreditar no inatismo idealista, já víramos antes, mas que a nossa alma esquece quando nascemos, para depois recordarmos pelas experiências da vida, nas quais o espírito nos vai iluminando e a alma nos vai lembrando.
Pode dizer-se, neste sentido, que conhecer é experimentar pelo intelecto os sinais que compõem as nossas pegadas, aquelas que teremos de percorrer para vivermos plenamente a vida e, também, experimentar pelo corpo a acção desses sinais, que vão desconstruindo as partes desse sonho, para o podermos viver como algo real, à medida que os reflexos dessas partes ganham sentido no Mundo em que vamos vivendo.
Macedo Teixeira, Quando as Estrelas Acordam, Sítio do Livro, Lisboa, Julho de 2014, pp. 58 a 62.
When the Stars Awake (16)
Any normative determination will present itself as a limit to freedom, but when it is interpreted by conscience, we experience in this end the possibility of freedom as a value of our life, and not only as a social limit.
We do not pretend with this intellectual observation to take advantage from the norm over the procedure, but life will only have ethical value, and more than ethical value, also moral value, if we live it by the conscience of the good of the end of itself, which is the pure good; and it is never convenient to live it without the acknowledgement that we ought to proceed in a certain way or, solely, because the norm so determines. Any state of conscience with a view to the suppression of the value of the law is a state of false conscience that will escape the living by moral comparison and will move life away from what it has of purest and ethically good. The ethical and the normative are indispensable to regulate man’s life, are necessary to render him a social being and make life to have a value with meaning and with history. But the ethical intention has to accompany the moral end of any human action. Without this accompaniment, we will see action, but we will not feel the emotion and the goodness of who practices it. To live by the ethical procedures, without one interpellating oneself about good and the goodness of their conduct, is to live in accordance with reason and legality, without necessarily relating man as an end and value of moral law. We may be an eminent cultured in the ethical values, but the rational limits of conscience and freedom will be of little use. It is necessary to us to proceed by duty, with a pure intention, before reason and the law, since only by this way we will be autonomous and our action will have moral value, because it will coat itself with goodwill and will provide us to aspire to the value of subjectivity, which is the dimension that human reason can develop best in a diverse and deep way.
Subjectivity, as a rational dimension, is one of the possible conditions for us to be singular and unique, it becomes the sphere of the creativity of the self as a center of all cognitive actions and exercises. With this specific quality, we can flex profoundly on the degrees of our imagination, creating means and opportunities to mediate reality and the dream. Conducts ought to be singular and creative, and neither mechanical nor instinctive. If the social behavior is translated into mere reactions, if it does not have foundation on rationality and morality, we will fall in a mechanicism of conscience and we will lose the sensitivity to the cognitive exercises and to the evaluation from each element, which gives form and richness to the capability to subjectivity. If thought and action are markers of a causal reference, in an environment in which it will suffice to know the rules, so that then one circumvents them and makes use of them as a means (seeing that the intention will not be to be guided by them, but to draw attention through its fulfillment with a view to a social image that pleases, even if it is not true), we must say that the behavior that has the falseness of these conditions as a strategy, can never be good nor serve as an example. It will not be this kind of behavior that translates to be a person, since it will be a behavior that has not dignity and that lacks the spirituality of life, for it is neither true nor proceeds with a righteous intention.
Man is a spiritual being, endowed with reason and conscience, creator of culture that values and completes him; he is a being with responsibilities within Creation; he may affirm, without any complex, that he is the main artisan of Creator. Hence, if it is true that man does not need, in order to be creative, to participate in all activities of the game of life, he has, nevertheless, the duty and the obligation to be attentive in those he participates in; perhaps as an initiator, since however much simple and discrete they may be, his disinterest and aloofness will become factors of regression and loss of strength in the construction of the forms of the values, namely of the values of social life. It is therefore that the ethical procedures have to be guided by conscience, which is neither mechanicist nor immediate. These procedures should become forms of regulation of civil conduct, and they always should exceed the limits for which tend the behaviors when they take root in the individual will of selfish sense, since the social image has to tend to the universal, now that it ought to be the result of moral and social consciousness.
We are predetermined by the microsystems in which grow (family, friends, school), but it is not because of it that our capability of abstraction will be lesser in our multicultural development and, therefore, in the adoption of behaviors that will have, necessarily, personal references, yet they will become social and transversal within the circle of the community. When the stars awake, we become aware of the state of complexity in which the gyration of life is running in all the elements that are in the rotation of the successive experiences. We also notice that our development manifests itself from the simple to the complex; from what is similar when beginning to what is different after the addition of the several lived elements. When we perform an action, another one will follow and, if the first one is simple, the second one may already be complex, may already imply a greater abstraction of elements. This movement of life may resemble a walk, in which we are filling each lived lapse of time with the matter where we engrave on the path the footprints of each step and, within these, we inscribe the signs that we register on memory in ideal forms, facts and images, which, on each moment, will be the starting points in this ideality to the new directions to cover, being, meanwhile, the footsteps that we leave behind, kept as remembrances, to serve us as a reflex in the continuation of the walk with new steps and other signs.
The living of human life seems, also, to resemble a hypothetical addition of added successions, since we are agents, in the natural dynamics of life and the forms we give it impress us, even in the way of feeling that everything changes and is different within the action of that dynamics. On each day, it seems we can repeat the lived cases, as if we transfer, by pasting, the parcel of history that had connected them in their time, since in the celebration of the events, we reactualize the time of their origin and we rehearse the experience that had grounded them. Within this possibility, it occurs to us the impression that to live is to become more, by the addition of those already lived events. Within this action, we see ourselves as multiple and addable, and each new day is the image of a dream of which we are remembering by the hypothetical addition of the parts it contains. Parts, which if we believe in the idealist innatism, we had already seen before, but that our soul forgets when we are born, so that later we remember them by the life experiences, in which the spirit is illuminating us and the soul is reminding us.
We may say, in this sense, that to know is to experience by the intellect the signs that compose our footsteps, those that we will have to cover to fully live life and, also, to experience by the body the action of those signs, which are deconstructing the parts of that dream, so that we may live it as something real, as the reflections of those parts gain meaning in the world we are living in.
Macedo Teixeira, When the Stars Awake, Sítio do Livro, Lisbon, July 2014, pages 58 to 62.