Crescendo Constroem-se os Sonhos

24-02-2012 15:44

Crescendo Constroem-se os Sonhos (VII) (conclusão da obra)

    A nossa afirmação tem a ver com a nossa espontaneidade e com as nossas convicções; elas são os suportes dinâmicos da nossa conduta. Há uma espécie de figurino que cada pessoa vai modelando e dando cor; ganha-se um certo estilo e forma-se a personalidade. A afirmação pura torna-se numa afirmação positiva, torna-se na força da espontaneidade e no desejo real do nosso querer. Torna-se, afinal, num princípio do comportamento moral, pois o homem deve guiar-se pelo bem e tudo o que é puro é bom. Quando digo nos meus pensamentos anteriores, que é na fase da maioridade, sobretudo até cerca dos quarenta anos de idade, que o homem mais sente a falta dos conteúdos ricos e diversificados das suas experiências anteriores é, exactamente, pela razão que acabei de referir. A nossa afirmação só pode manter-se com todo o vigor se a matéria da nossa espontaneidade e a força das nossas convicções não tiverem sido muito enfraquecidas, se os estados emocionais resultarem num equilíbrio de compreensão e não de sublimação forçada. É difícil para qualquer pessoa, nesta altura, ter de regular a sua espontaneidade por medidas de situação social particulares e poucos sentirão vontade de se afiliar a experiências que impeçam o curso da afirmação. Nesta fase da nossa vida, os nossos estados de consciência são bastante mutáveis e o desânimo acontece com frequência. Por outro lado, as cedências para a compreensão fazem-se pelo jogo do poder de dominar, mais do que pelo poder do amor que é puro e toca de um modo muito especial. Agora, torna-se mais necessário descobrir onde sopra o que é universal e num estado emocional dominador é difícil de se captar esse bem que é o amor. Assim pela estabilização psíquica e o desejo mais cativo da nossa caminhada, a ordem de ambas as partes vai-se equilibrando à medida que a nossa afirmação vai sendo mais segura. Do centro da nossa vontade vão emergindo solicitações que vão estando cada vez mais conformes com a nossa realização e com o sentimento de estarmos a proceder conforme o que é universal e bom. Agora já não são tanto os outros que nos servem de modelo e guia, já não nos lembramos tanto de emoções que tivemos outrora na força de um desejo repetido. Era bom se fôssemos isto ou aquilo, se vivêssemos deste ou daquele modo; se experimentássemos a aventura e nos glorificássemos com algo de muito notável. Chamar a atenção faz parte de um certo tempo e serve só para construir um mundo de que somos mais objectos do que sujeitos.

    Na Segunda Idade, a nossa afirmação torna-se diferente nos fundamentos e a base principal começa pelo erguer dos princípios que toquem o bem e o acordo com a consciência. Desenvolvemos os nossos ideais na conjugação de um serviço que terá em conta os objectivos da realização pessoal, e acima de tudo, do acompanhamento profissional, moral e familiar de todas as partes que formam a nossa comunhão. Há uma tendência natural para avaliarmos os nossos actos mais à luz da nossa consciência e de tudo fazermos para sermos conformes com a elevação moral. Todas as nossas atitudes terão em vista um fim discreto e educado; já não participamos facilmente em aventuras para dar nas vistas ou mostrar capacidades que já não temos. É o juízo que mais nos interessa e a vontade que mais desejamos é a que seja coincidente. E tudo isto sempre num esforço de situarmos melhor o nosso ser, de apurarmos o nosso sentido da vida e de sermos uma parte do valor social.

    A abstracção da vida faz-se com todos os conteúdos que a estruturam, com a riqueza de condições humanas, mas também com os conteúdos das experiências cujas riquezas são de origem natural e se formam na natureza. A conjugação destes elementos e a transformação destas potencialidades dão origem a estados emocionais capazes de superar as situações existenciais mais delicadas, de permitir restaurar a nossa vida e de ganhar forças para outras novas questões. Como sujeito dos nossos actos, somos responsáveis pelas consequências que deles resultam e o seu valor de qualidade positiva ou negativa depende da nossa capacidade de ser intérpretes de todas as situações criadas. Estas são, entretanto, dominadoras e determinantes, logo, se não existirem nos conteúdos psíquicos do homem riquezas de vivências que lhe permitam a melhor solução em cada situação, a força dominadora das experiências subjuga o homem e obriga-o a limites comportamentais de valor mais negativo que positivo. É nesta idade que cada homem deve ajuizar da importância que tem o sentido e a forma que vai dando à sua vida. De uma forma mais alargada ou numa individualização mais extrema, a responsabilidade que lhe vai cabendo já não estará centrada no seu eu individual. A sua responsabilidade atinge domínios sociais de arquitectura da Ordem da vida, que terão consequências em todas as ordens nomeadamente na ordem transcendente. Trata-se, agora, de fazer com que as suas experiências lhe tragam vontade de realização solidária, mas também de afirmação da comunidade a que pertence. Antes era a construção do seu mundo físico que estava em questão, agora será a construção de um mundo psíquico e social que exige uma responsabilidade mais abrangente e complexa. Na Primeira Idade vivemos voltados para o nosso eu e para a realização do que é estrutural na individualidade que idealizamos e que fazemos questão de em todas as respostas mostrarmos que tem que ser assim e que somos capazes disso. A juventude da nossa vida está recheada de perspectivas ideais e de desejos que são naturalmente comuns. Se assim não fosse, do que seríamos capazes? Da nossa animalidade biológica? De um involuntarismo primário para a concretização da vida?

    Certamente, pouco mais do que estes actos e a passividade retardadora seriam a resposta ao imediato incaracterístico.

    Na idade seguinte, começam a fazer-se sínteses, em que o sujeito das respostas que damos e das obras que produzimos já não se ocupa apenas de si mesmo; e o ser social, que há muito se manifesta em nós, torna-se agora numa realidade concreta. Cada um começa a completar-se com os outros, com o mundo onde vive, com as realidades naturais que o ligam a uma elementaridade que excede a dimensão cósmica.

    É a partir desta fase que o homem estabelece uma relação com a sua consciência que excederá os limites da dimensão física e natural - os limites concretos do ser humano. A partir desta fase abre-se na nossa consciência um outro espaço com outra substância mais apelativa na sua transcendência e pureza. A sua natureza e origem apontam para uma inclinação natural em cuja vontade o homem é completamente livre. A sua inclinação é por acção pura da liberdade da consciência que se tornará nesta idade bastante profunda e meditativa. Desta relação como sujeito surge um sentimento de responsabilidade perante um novo mundo; um mundo psíquico e social mais profundo e mais apelativo à nossa responsabilidade. Nas várias acções humanas começam a estar presentes com maior insistência o viver e o sonhar. Cada um de nós, que antes articulava esta relação de um modo espontâneo, fá-lo agora, de um sentido e pensado e ao mesmo tempo com a consciência limitada a domínios de transcendência. Cada um de nós passa a compreender que nas suas sínteses vivenciais existe algo que está para além de si mesmo e até, quem sabe, para além do que nos é possível pensar!

    Para quem crê, esta realidade assume-se como possível que assim seja! Para mim, muito do que acontece está para além dos nossos limites de compreensão, é neste sentido que compreendo este novo mundo em que somos colocados na Segunda Idade, um mundo com um plano cujas partes completam infinitamente a parte mais misteriosa da vida humana, a parte onde toca o absolutamente divino.

    Será então necessário que cada um de nós preste agora atenção a todas as situações, a todos os elementos que as compõem e a todas as necessidades que as caracterizam. Entender bem na proporção da temporalidade necessária à execução de qualquer trabalho, ter convicção e acreditar regeneração da vida. Compreender que é necessário fazer, não apenas porque é nosso dever, mas porque o sentido do dever torna-se num sentido voluntário e bom. Esta abertura que acabei de referir dá acesso à profundidade nosso ser e à sua grande elevação. É o Mundo como Idealidade que começa a interessar mais do que o mundo como ideal que nos limita à materialidade e temporalidade; e um sonho muito mais arrebatador do que todos os sonhos que vivemos na Primeira Idade começa a construir-se e a tornar-se real com as realizações sociais, êxito e sucesso que estas nos trazem. Estas realizações são fundamentais e tornam-se nos elementos base da Segunda Idade, pois o Homem necessita de êxitos e aprovação social, por isso a vontade inclinadora para a ordem da Idealidade conduz-nos a sentimentos mais apaixonantes e mais tranquilos para o gosto de viver. Assim, saibamos alcançar estas realizações, percepcionar a idealidade e o reconhecimento dos limites da sabedoria humana não serão aspectos limitadores, serão graus de consciência responsável que somos parte e não somos tudo.

    Neste Mundo de Idealidade, os objectivos que percorremos tenderão para a realização transcendental, uma realização mais elevada que a realização ideal, já que será uma realização onde somos singularidades disponíveis e voluntárias que não servem só a tradição porque querem realizar a História.

    A existência concreta facilita os casos da realização concreta e dos sucessos reais, mas haverá sentimento melhor do que aquele que emana de um voluntarismo natural encontrado na transcendência da vida? A idealidade do ser está para além do que é ideal, pois este não nos limita, causa-nos fascínio e faz-nos sonhar com o infinito de Deus. A idealidade é o objectivo que surgirá como desejo mais secreto e pensamento mais puro para pensar e viver melhor. O transcendente e a transcendência surgem numa comunhão de semelhanças que o Homem precisa de alcançar. A Segunda Idade abre as portas a um caminho cuja forma tem as marcas do atemporal e do sonho, e não já de modo insistente, como na Primeira Idade, do tempo referencial e do preferível mais conforme a nossa vontade e desejo do que conforme a necessidade e o necessário. E se nesta idade a indefinição não acaba nem se completa, pois surgirá ainda como razão temporal sucessiva de momentos carregados de circunstância e finitude, ela prepara de modo muito preciso e delimitado o intemporal que a Terceira Idade anuncia como idealidade. É no viver da Segunda Idade que somos chamados a uma responsabilidade social que implicará disponibilidade e afirmação. Implicará partilha de vontades e desejos limitados à comunidade e ao grupo. Será forçoso que cada um entenda que lhe compete abrir o seu próprio destino e inclinar-se para as experiências activas com vista ao seu encontro e descoberta, pois não se conhece com precisão os seus limites, mas os sinais indicadores tornam-se cada vez mais evidentes à medida que a ele nos tornamos mais tangentes.

    Ao dizer “próprio destino”, estou a referir-me a uma certa singularidade de relação que existirá na ordem do ser que somos e da infinitude de que participamos. E os sinais anunciam a tocabilidade da Ordem que completa a relação humana de cada um como o ser limite que somos no ilimitado de que fazemos parte como possibilidade.

É por esta razão que a idealidade é o estado do ser humano mais elevado, ainda que a sua abertura projecte a vida humana para um involuntarismo muito complexo e difícil. Para um involuntarismo que será um ocorrer de situações com um sujeito infinitivo e que causará no homem um sentimento muito grande de impessoalidade. Mas é esta idealidade que dá ao Homem uma grande vontade de se tornar naquilo que ele é e de se reconhecer nas fronteiras do ser em qualquer momento em que tenha que tocar os limites do pensamento e da vida possíveis. O ideal é um passo da Primeira e da Segunda Idade e a idealidade é o caminho que começaremos a percorrer na nossa mais elevada afirmação. Na afirmação que já não se prenderá ao que é real de modo finito nem ao ideal de modo singular e único. Será uma afirmação que se vai acrescentando a si mesma por força da construção do caminho que agora já não será feito só com o que é humano e visível.

 

Autor: Macedo Teixeira; Obra: Crescendo Constroem-se os Sonhos; Editorial Panorama, L.da; Março de 2002; págs. 72 a 81.